Ninguém falou aos jogadores que eles poderiam perder - Ciclo CEAP

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Ninguém falou aos jogadores que eles poderiam perder

Criança durante o jogo entre Brasil e Alemanha no Mineirão, em BH –
Ivan Pacheco/VEJA.com

 

Psicóloga do esporte diz que sensação de descontrole tomou conta dos atletas do Brasil quando eles perceberam que a derrota para a Alemanha era inevitável

A comissão técnica e a CBF são as responsáveis pelo vexame histórico da seleção brasileira diante da Alemanha. Foram eles que montaram um time jovem, sem experiência em copas, e jogaram sobre esses atletas a obrigação de ganhar. Essa é a opinião da psicóloga do esporte Katia Rubio, professora da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP) e autora de 19 livros sobre psicologia do esporte e estudos olímpicos. Ao site de VEJA, a psicóloga disse que as vitórias brasileiras, desde a Copa das Confederações, camuflaram problemas estruturais do time. Diante de uma equipe bem estruturada como a alemã, os problemas apareceram. “Não é vergonha perder para um bom time. A vergonha é perder para a própria incompetência”, afirma.

O que aconteceu em campo?
Brasil não tinha pegado uma seleção tão forte e estruturada quanto a Alemanha. As vitórias brasileiras não foram consistentes. Elas camuflaram problemas estruturais que o time tinha desde sempre. E em vez de usar os jogos, mesmo as vitórias, para fazer uma avaliação das falhas, o que a gente viu foi a persistência dos erros ao longo do caminho, que sucumbiram diante de um time bem estruturado como o da Alemanha.

A senhora está falando de falhas técnicas ou do abalo emocional?
Eu não consigo separar uma coisa da outra. A questão emocional está vinculada à compreensão cognitiva daquilo que a realidade do jogo mostra para o jogador. Não há atleta fleumático o suficiente para passar por cima de tantos gols em pouco tempo como se fosse uma coisa comum. Todas as dificuldades emocionais vividas até aqui emergiram com uma potência vulcânica. Quando a derrota se tornou inexorável, os recursos se foram, porque não havia um entendimento de que dava para superar. Ninguém falou para esses meninos sobre a possibilidade da derrota. Era vencer ou vencer, e isso não existe no esporte. Diante da iminência do fracasso, tudo vem à tona: o desespero, o desamparo, a incerteza e a sensação de descontrole que a gente viu em campo.

O pânico se instalou a partir do primeiro gol?
Acredito que depois do terceiro gol. O primeiro e o segundo foram acidentais. Do terceiro em diante, o time apagou.

Um bom trabalho psicológico poderia ter ajudado a evitar o vexame?
Poderia, se tivesse sido feito com a mesma intensidade do trabalho técnico, tático e físico. Mas a psicologia sozinha não ganha jogo.

Faltaram jogadores experientes na seleção brasileira?

Foi uma irresponsabilidade escalar um time tão jovem para encarar uma Copa do Mundo dentro do Brasil. É fundamental numa equipe proporcionar a troca de experiências de atletas mais maduros com mais jovens. Essa convivência prepara uma geração, porque ela pode perder num momento e ganhar em outro. Eu vi uma cena dentro do campo, não sei a partir de que gol, em que todos se olhavam, em busca não só de uma explicação, mas de alguém que os tirasse daquela situação.

O Maracanazo pesou sobre os ombros dos jogadores?
Não acredito nisso. A Copa de 1950 está muito longe deles. O problema é 2014, uma expectativa imensa sobre uma equipe muito jovem. Não dá para esperar de um adolescente a maturidade que ele não tem. Essa é uma geração talentosa, aguerrida. Eu vi meninos com muito medo, mas eles não fugiram do combate.

Quem criou essa expectativa?
A CBF e a comissão técnica. Não vejo outros responsáveis pelo resultado do jogo.

Os jogadores e a comissão técnica disseram que a ausência do Neymar serviria para motivar a equipe ainda mais. Aconteceu o contrário?
Dizer que a ausência do Neymar causou a derrota do Brasil é colocá-lo numa condição acima do que ele representa e desmerecer todo o resto do grupo, que trabalhou arduamente. Talvez com o Neymar em campo o time não tomasse tantos gols, mas a equipe estava patética, perdida. Era um time colegial jogando contra profissionais. Não é vergonha perder para um bom time. A vergonha é perder para a própria incompetência.

De que maneira se supera um trauma desses?
A única maneira de superar um trauma é enfrentá-lo. É preciso jogar, mais, mais e mais. Não existe outra forma.

Como um jogador absorve o fato de ser protagonista da pior derrota da história da seleção, em casa?
Essa experiência não vai ser comum a todos os jogadores, mas variar de acordo com o histórico de vida de cada um. Eles vão elaborar a derrota em função do momento em que estão vivendo a própria carreira. Os que jogam em grandes times seguirão sua vida. Os mais velhos vão se preparar para o fim da carreira. Fico feliz de ver que não há um responsável por essa derrota, como aconteceu no Maracanazo, quando o infeliz do Barbosa carregou a culpa sozinho pelo resto da vida. Em 2014, a responsabilidade será partilhada, cada um vai carregar o seu quinhão.

Nem o Fred, tão criticado a Copa inteira e vaiado no Mineirão, ficará marcado?
Ao longo de todos os jogos, não houve quem não dissesse que ele não era um jogador deslocado do grupo, porque ele não cumpria seu papel, mas a comissão técnica insistiu em manter o sujeito. Isso é ruim principalmente para o atleta, porque ele acaba tendo de responder por uma decisão que não é dele, mas do técnico.

Levar a camisa do Neymar no hino pode ter sido negativo?
Não, eles fizeram um carinho para o jogador, como a seleção de vôlei levou a camiseta do atleta que foi cortado. É uma cena clássica de grupos que estão bem fechados, uma reverência a quem ficou de fora. Não é um lamento, mas um agradecimento ao cara que está quebrado em casa.

Quais são as lições dessa derrota?
O legal do esporte é que ele é uma metáfora para muitas coisas da vida. Que com essa derrota se aprenda a ser menos orgulhoso, a acreditar menos que o passado pode valer mais do que o trabalho presente, que não existe jogo ganho nunca, que o jogo só acaba quando termina — como dizia Chacrinha — e que é preciso encarar isso com muito mais seriedade do que se encarou até agora.

O que podemos esperar para a partida de sábado?
Eu quero ver o que a comissão técnica vai fazer. Se ela for amorfa como no jogo contra a Alemanha, é melhor pegar a malinha e perder por W.O. Não dá para ter duas vergonhas sucessivas. Os jogadores precisam de acompanhamento psicológico agora. Faz parte do programa lutar pelo terceiro lugar. Seria muito honroso que eles jogassem para ganhar a próxima partida. A torcida brasileira merece por tudo que ela fez pelo time.

Fonte: Veja

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