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Sem palmada!

Estabelecer limites é uma forma de amar, de cuidar e proteger. A questão discutida aqui é a forma como esses limites são estabelecidos e, para isso, é preciso rever valores

Por Beatriz Acampora e Silva de Oliveira

Beatriz Acampora e Silva de Oliveira é mestre em Cognição e Linguagem, psicóloga, jornalista e professora da área de saúde da Universidade Estácio de Sá. Autora do livro Autoestima: Práticas para transformar pessoas e, em parceria com João Oliveira, A Importância dos Sonhos. Ambos publicados pela Wak Editora.

A discussão acerca de como educar os filhos nos tempos modernos sem bater tem gerado discussões polêmicas. Muitos pais acreditam que uma palmada não faz mal nenhum e que impõe limites à criança. Dizer não nem sempre é suficiente e os valores passados de geração para geração podem ser um tanto rígidos quando o assunto envolve bater para educar.

Após a aprovação da Lei da Palmada pelo Senado brasileiro, que teve seu nome alterado para Lei Menino Bernardo, em homenagem ao menino que foi morto pelo pai e pela madrasta no Rio Grande do Sul com uma injeção letal, esse assunto se tornou ainda mais evidente. A Lei foi aprovada no Dia Internacional das Crianças Vítimas de Agressão, dia 04 de junho, data criada pela ONU em 1982 para que haja re flexão sobre o tema.
A referida lei altera um trecho do Estatuto da Criança e do Adolescente “para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante”. Isso implica em apreendê-los como seres em desenvolvimento, capazes de aprender por outros meios que não englobem atitudes que agridam fisicamente.

Os responsáveis que agirem com violência contra a criança/adolescente estarão sujeitos às medidas já previstas pelo ECA: tratamento psicológico, advertência e até a perda da guarda, que equivale ao pátrio poder. O Código Civil, em seu art. 395, estabelece que: “Perderá por ato judicial o pátrio poder o pai, ou mãe: I – que castigar imoderadamente o filho; II – que o deixar em abandono; III – que praticar atos contrários à moral e aos bons costumes”.

A discussão divide opiniões: alguns especialistas acreditam que uma palmada pode, eventualmente, ser uma ação para evitar que a criança tenha comportamentos de risco, como colocar o dedo na tomada e levar um choque. Outros ressaltam que a lei fala de dor física, que é difícil medi-la e, portanto de identificar em que situações deve ser aplicada. Mas, os dados não mentem: nos primeiros meses de 2014, o Disque 100 registrou mais de 34 mil denúncias de agressões a menores.

PARA SABER MAISPalmada psicológica

Educar também implica comunicar. Quando os pais falam para seus filhos palavras que criam constrangimento, sentimento de impotência, de fracasso, desqualificando-os enquanto ser humano, os prejuízos podem ser muito grandes. Se a palmada física dói no corpo, a palmada psicológica dói na alma. Quando as duas ocorrem de forma combinada, os prejuízos na vida da criança/adolescente podem ser piores ainda.

Usar uma comunicação assertiva, que vise ampliar os recursos utilizados, propiciando um feedback positivo é a melhor forma de criar uma relação dialógica que contribui para o estreitamento dos vínculos familiares e demonstra respeito pelo outro.

A lei considera os seguintes termos: Castigo corporal – ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente.

Tratamento cruel ou degradante: conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou o adolescente.

O ECA preconiza, em seu artigo terceiro, que as crianças e adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e que lhes devem ser asseguradas “todas as oportunidades e facilidades, a ­ m de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”. Ou seja, é dever da família ou do responsável legal garantir que a criança ou adolescente que está sob seus cuidados tenha um desenvolvimento saudável do ponto de vista biopsicossocial.


Uma boa forma para se lidar com crianças pequenas consiste na representação ou encenação da maneira correta de agir, ao invés de diálogos longos, gritos ou agressões físicas

Toda criança precisa de atenção qualificada, isso quer dizer apoio e suporte para aprender, para superar desafios que são apresentados como estímulos a cada momento. O aprendizado se dá a cada instante nas trocas e no modo como a criança é estimulada. Se, para aprender determinados comportamentos, a criança apanha, ela se habitua à aprendizagem por punição e quando há o desejo dos pais de dialogar, esse espaço já foi perdido.

Por isso, muitos pais que usam a força física para mostrar poder e direcionar um determinado comportamento se tornam reféns dos ­ filhos quando estes aprendem efetivamente que a linguagem da violência e da agressão é aquela que trará algum resultado. Nesse sentido, é comum ver crianças que batem, xingam, gritam dentro e fora de casa, pois aprenderam a se comportar dessa forma.

Alguns especialistas acreditam que uma palmada pode, eventualmente, ser uma ação para evitar que a criança tenha comportamentos de risco, mas é necessária?

Skinner (1904-1990) ressaltava que a aprendizagem implica em mudança de comportamento e que pode se dar por reforço através de fortalecimento de respostas que sejam adequadas até que se chegue a um comportamento desejado. O que se discute atualmente é a mudança de comportamento dos pais em relação aos ­ filhos. É preciso que os pais aprendam uma nova forma de educar que não seja pelo viés da violência. É preciso reaprender a educar.

Nesse contexto, os ­ filhos poderão ter seus comportamentos melhorados pela mediação dos pais que se tornam facilitadores da aprendizagem, mediadores para a vida, cuidadores que promovem o crescimento e, acima de tudo, pessoas que amam seus ­ filhos e estão dispostos a educar com amor.

Reforço
O reforço é uma estratégia que vem sendo muito útil na educação. Ele pode se dar de muitas formas: através do poder do elogio, do incentivo, de palavras positivas, sorriso, reconhecimento, apoio, aconselhamento, dentre outros. Mas é importante nunca associar o comportamento da criança ao amor/ afeto recebido. A criança deve se sentir amada. Por isso, é relevante demonstrar amor com trocas de carinho físicas e verbais, que contribuem muito para que a criança se sinta valorizada.


Uma criança/adolescente que apanha para que se comporte de uma determinada maneira cria estratégias comportamentais para lidar com a situação, podendo levar isso para toda a vida

Toda criança precisa de atenção qualificada para aprender, para superar desafios que são apresentados como estímulos a cada momento

Mas, como agir quando a criança/ adolescente faz algo efetivamente considerado errado? Nesses casos, a palmada não é a melhor solução, ela pode gerar sentimentos controversos e, ao contrário da intenção de corrigir um erro, pode criar outro problema. Assim, é importante conversar, criar uma oportunidade de diálogo não agressivo, que não desquali­fique a criança enquanto pessoa, mas a faça re‑fletir sobre o seu comportamento. Se for necessário, combinar uma reparação do erro cometido que seja coerente com a idade da criança e que não implique em humilhação ou constrangimento.

Uma boa forma para se lidar com crianças pequenas consiste na representação ou encenação da maneira correta de agir, ao invés de diálogos longos, gritos ou agressões físicas. As crianças gostam do lúdico e ensinar a fazer algo de forma correta pode virar uma grande brincadeira.

Já o adolescente lidará com seus pais conforme aprendeu em sua infância. Se foi muito agredido física ou verbalmente poderá, nas suas relações familiares, agir com atitudes agressivas, isolamento ou até mesmo apresentando sintomas psicológicos diversos. Não existe “criança-problema”, ela pode caracterizar um sintoma quando há algo errado na célula familiar.

Lei aprovada
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou em 21 de maio de 2014, após acordo entre parlamentares, a chamada Lei da Palmada, rebatizada Lei Menino Bernardo, em homenagem a Bernardo Boldrini, morto no Rio Grande do Sul com uma injeção letal – o pai, a madrasta e uma assistente social foram indiciados pelo crime em 13 de maio. A proposta proíbe pais e responsáveis legais por crianças e adolescentes de baterem nos menores de 18 anos. Aprovada em caráter terminativo, seguirá diretamente para análise pelo Senado, sem necessidade de votação no plenário da Câmara.

Estratégias comportamentais
Uma criança/adolescente que apanha para que se comporte de uma determinada maneira cria estratégias comportamentais para lidar com a situação, podendo levar isso para toda a vida. Veja a seguir algumas estratégias:

Se entrega ao processo, podendo se tornar uma pessoa vitimada em todos os relacionamentos que estabelece, com medo de ser sempre agredida, fazendo de tudo para agradar ao outro ou até mesmo repetindo o padrão de se submeter a agressões.

Passa a evitar toda e qualquer situação que possa acarretar uma agressão, podendo esconder seus sentimentos, desviar-se de relacionamentos, se isolar, se autopunir.

Se torna agressiva, com comportamento intolerante e irritadiço, podendo se tornar também agressora. Cada agressão recebida é devolvida e às vezes, até mesmo, ampliada.

Quando os menores são agredidos física ou psicologicamente tendem a buscar fontes de satisfação e prazer compensatórios, substituindo o afeto por comida, por jogos, por drogas, dentre outros.

A baixa autoestima também é uma das características de crianças e jovens que se sentem desquali­ficados diante do agressor. Cada ser em desenvolvimento possui seu próprio processo de elaboração de subjetividade e construção do autoconceito, conforme os valores familiares. A criança age conforme as representações sociais introjetadas pela família em que está inserida, se os valores agregam a violência, ela também fará parte do seu contexto íntimo.

Assim, é fácil compreender que as relações que têm como base a agressão promovem a violência social, uma vez que cada pessoa se relaciona com as outras com os recursos que possui. Se a violência é um recurso forte, estruturado e reforçado na subjetividade do indivíduo, ela será projetada em suas relações.

Os filhos poderão ter seus comportamentos melhorados pela mediação dos pais que se tornam facilitadores da aprendizagem

É certo que não há uma fórmula mágica para educar os ­ filhos, contudo há caminhos sem volta. Ensinar pela agressão física ou psicológica, pela negligência nos cuidados, tende a gerar afastamento das relações, a suscitar comparações com outras crianças que recebem afeto e a promover uma sensação de fracasso. Principalmente se a criança for alvo de agressão sucessivas vezes.

Desamparo aprendido
Pode-se compreender bem a noção de fracasso sentida por uma criança que é agredida repetidamente a partir de uma analogia com a teoria do desamparo aprendido. Em pesquisas com animais na década de 1960, choques elétricos eram dados aleatoriamente em qualquer circunstância. Os animais aprenderam que nada do que ­fizessem poderia lhes tirar daquela situação e, mesmo quando lhes era apresentada uma oportunidade de sair do ambiente de choques, estes permaneciam, lá, parados, sem esboçar qualquer tipo de reação. Dessa forma, quando a violência ocorre repetidas vezes, um animal ou ser humano pode chegar ao nível de desamparo aprendido, ou seja, comportando-se de forma impotente mesmo diante da oportunidade de enfrentar a situação.

Crianças e jovens que sofreram perdas signi­ficativas em suas vidas, que sofrem abuso, que tiveram pouco afeto, tendem a apresentar di­ficuldades escolares e de interação social. Muitos dos problemas relacionados à di­ficuldade de aprendizagem estão relacionados à baixa autoestima, ao sentimento de ser “um patinho feito”, desquali­ficado para realizar tarefas, ao desamor validado pela violência doméstica. Apostar em um desenvolvimento saudável é investir na qualidade da relação afetiva e no vínculo familiar estabelecido.

Eduque sem bater
Criar espaços para o diálogo é fundamental e isso implica em ouvir o que o outro tem a dizer. Muitas vezes a criança/adolescente tem um motivo forte e plausível para se comportar de determinada maneira. É preciso buscar compreender a intenção positiva por trás de cada ato e oferecer ajuda para criar estratégias mais e­ficazes e funcionais para expressar as emoções e intenções.

Toda criança quer ser amada, quer fazer parte da sua família, quer se sentir importante e a agressão no lar pode jogar fora toda e qualquer possibilidade de um sentimento de pertencimento. Cada um se comporta conforme seus recursos internos; se uma criança recebe agressividade e violência das pessoas das quais espera amor, a construção do afeto se dá por outra via.

Existem pais que tocam no ­ filho somente quando é para bater. A criança aprende que aquela é a forma de receber afeto e faz bagunça até apanhar. Você já deve ter ouvido a seguinte frase: “Esse menino só sossega quando apanha”. Palmada não deve ser a demonstração de afeto a ser dada a uma criança.

Faz-se relevante destacar que a violência física deixa marcas psicológicas. E existem marcas na “alma” que são mais difíceis de cicatrizar do que as cicatrizes que o corpo revela.


Crianças e jovens que sofreram perdas significativas em suas vidas, que sofrem abuso, que tiveram pouco afeto, tendem a apresentar dificuldades escolares e de interação social

É importante conversar, criar uma oportunidade de diálogo não agressivo, que não desqualifique a criança, mas a faça refletir sobre o seu comportamento

Denúncia
De acordo a Secretaria de Direitos Humanos, pasta responsável pelo Disque 100, a central recebeu 124.094 denúncias de agressão contra crianças em 2013. Em 2012, foram 130.033 ligações, enquanto em 2012 foram 96.474. As denúncias incluem violência, exploração de menores, abuso sexual, trabalho forçado, negligência e violência psicológica.

A agressão psicológica também precisa ser discutida em sociedade, uma vez que palavras que desqualificam a criança e o adolescente, que desmerecem suas potencialidades, que facilitam processos de adoecimento, que di­ficultam o aprendizado, o convívio familiar e em sociedade também merecem atenção.

A impossibilidade de se defender diante do que é considerado pela criança/ adolescente um real ataque à sua integridade física ou uma ameaça, pode acabar alimentando uma base emocional negativa e os resultados podem ser os mais diversos, chegando inclusive a sintomas físicos, como dores de cabeça, náuseas, dores de barriga, bruxismo, distúrbios do sono, falta de ar, dentre outros. Os sintomas psicológicos também podem ocorrer, tais como: depressão, apatia, irritabilidade, agitação, ansiedade, medo exagerado, dificuldade de relacionamento, autoconceito negativo.

Se antigamente era comum os pais baterem nos ­ filhos porque também apanharam dos seus pais, essa não deve ser a desculpa dos tempos modernos para levar adiante hábitos disfuncionais. Frases como: “Eu apanhei muito e estou vivo e inteiro” e “uma surra bem dada resolve o problema”, não cabem mais na sociedade moderna, isso porque as gerações passadas e a atual que sofreram violência, abuso ou maus tratos na infância, também pagaram o preço (baixo ou alto) emocional e afetivo.

Há que ser ter o cuidado de olhar para a questão com a compreensão de que não bater não signi­fica ser permissivo. Os limites são necessários, pois a sociedade requer convivência e inserção. A mesma criança que quer fazer parte da família também quer fazer parte da sociedade, já que a família é o microcosmo social. Portanto, a criança também deseja limites, um olhar atento que re‑flete o cuidado contra “os perigos do mundo”. Estabelecer limites é uma forma de amar, de cuidar e proteger. A questão discutida aqui é a forma como estes limites são estabelecidos e, para isso, é preciso rever valores.


Toda criança quer ser amada, quer fazer parte da sua família, quer se sentir importante e a agressão no lar pode jogar fora toda e qualquer possibilidade de um sentimento de pertencimento

Para ­finalizar, algumas sugestões que podem ser úteis:

Educação exige o exercício da paciência. Crie estratégias para manter a calma nas mais diversas situações.

Evite gritar, converse e apresente argumentos.

Pense antes de falar e gerencie as próprias emoções em prol da relação que você deseja construir.

Cuidado com o exemplo negativo, o cuidador é o primeiro espelho da criança.

Permita que a criança/adolescente expresse suas emoções de forma saudável.

Procure construir uma relação de diálogo, respeito e amizade.

Mostre exemplos de situações semelhantes que deram certo e/ou errado.

Junto com a criança/adolescente crie sanções disciplinares que sejam coerentes e de comum acordo, ou seja, medidas que serão tomadas em caso de comportamento inadequado (previamente conversado e acordado) e que tenham relação com o determinado comportamento.

Elogie o comportamento adequado e estimule-o.

A baixa autoestima também é uma das características de crianças e jovens que se sentem desqualificados diante do agressor

Não generalize o comportamento inadequado. Ouvir “você faz tudo errado” não ajuda a resolver uma situação especí­fica e ainda pode gerar sentimento de incompetência.

Converse sobre o que fazer para melhorar um determinado comportamento, isto é, ao invés de focar nos erros, foque na possibilidade de acerto.

Demonstre afeto, envolva a criança/ adolescente nas atividades da família de acordo com seu nível de maturidade. Delegue pequenas responsabilidades. Ofereça tempo com qualidade para a família.

Fonte: Portal Ciência e Vida

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