Um cupcake está chamando…
Você praticamente pode sentir o gosto dessa delícia doce e cremosa. Quer tanto comer um que não consegue pensar em mais nada. Mas será que você realmente está com vontade de sentir esse gosto — ou será que você apenas busca as associações agradáveis que ele traz? Ou será que você precisa comer um em parte por saber que não deveria? Será que lutar contra essa fissura acabará com ela ou a tornará pior?
Cientistas têm estudado essas questões para tentar compreender as ânsias por comida. Pesquisas têm ganhado um senso de urgência devido à epidemia de obesidade que acomete os EUA e já começa a dar sinais no Brasil e em outros países, uma vez que os desejos incontroláveis por comida são vistos como uma influência sobre o comportamento das pessoas que vivem beliscando, têm compulsão por comida ou bulimia.
Algumas das descobertas feitas até o momento:
Os desejos incontroláveis por comida ativam os mesmos circuitos de recompensa do cérebro que as fissuras por drogas ou álcool, segundo mostraram exames de ressonância magnética — testes que medem a atividade cerebral ao detectar alterações no fluxo sanguíneo.
Quase todas as pessoas têm desejos incontroláveis por comida de vez em quando, mas as mulheres dizem ter esses acessos com mais frequência do que os homens — e os mais jovens têm mais vontade de comer doces do que os mais velhos.
Em um estudo, 85% dos homens disseram se sentir satisfeitos após se renderem aos seus desejos incontroláveis por comida; entre as mulheres, esse percentual foi de apenas 57%.
Apesar de muitas mulheres relatarem uma vontade incontrolável por ingerir sal, gordura ou combinações bizarras de alimentos durante a gravidez, pesquisadores não têm encontrado provas científicas. Eles desconfiam que folclore e poder da sugestão sejam as causas.
Durante décadas, pesquisadores suspeitaram que os desejos por comida fizessem parte dos esforços inconscientes do corpo para corrigir deficiências nutricionais. O desejo por um bife poderia indicar a necessidade de proteína ou ferro, segundo essa teoria. Os chocólatras poderiam ter baixos níveis de magnésio ou outras substâncias químicas que alteram o humor e que estão presentes no chocolate.
Mas um número crescente de pesquisas coloca em dúvida essa noção. Afinal, poucas pessoas sentem desejo de consumir verduras cheias de vitaminas.
Ao contrário, estudos mostram que as fissuras por comida envolvem uma mistura complexa de fatores sociais, culturais e psicológicos, que é fortemente influenciada por estímulos ambientais.
Enquanto o chocolate é, de longe, o tipo de alimento que mais provoca desejos nos EUA, mulheres japonesas têm uma propensão maior a sentir desejo por sushi, segundo um estudo recente. E apenas 1% dos jovens egípcios e 6% das jovens egípcias relataram sentir desejo por comer chocolate, de acordo com um levantamento realizado em 2003. “Muitas línguas não têm uma palavra para ‘craving'”, diz a psicóloga Julia Hormes da Universidade de Albany, referindo-se ao termo em inglês que pode ser traduzido no Brasil como “fissura”. “Esse conceito parece ser importante apenas na cultura norte-americana”, diz Hormes.
Nos EUA, cerca de 50% das mulheres que sentem desejo por chocolate dizem que suas fissuras alcançam o pico durante o início de seu período menstrual. Mas os pesquisadores não encontraram nenhuma correlação entre as fissuras por comida e os níveis hormonais — e as mulheres que já chegaram à menopausa não relatam uma queda significativa na vontade de comer chocolate, mostrou um estudo de 2009. Alguns psicólogos suspeitam que as mulheres possam estar se “automedicando”, uma vez que doces e carboidratos desencadeiam a liberação de serotonina e de outros químicos no cérebro que causam bem-estar.
Um estudo realizado no ano passado com 98 estudantes do sexo feminino da Universidade da Pensilvânia constatou que aquelas que relataram ter mais fissuras alimentares relacionadas ao ciclo menstrual também tinham um histórico de dietas e distúrbios alimentares, além de apresentarem altos índices de massa corporal. “Essas parecem ser mulheres que pensam: ‘Eu não deveria comer chocolate de jeito nenhum’. Mas, em seguida, elas não resistem e comem uma barra inteira”, diz Hormes, que coordenou a maior parte da pesquisa realizada na Universidade da Pensilvânia. “Quanto mais elas tentam restringir seu consumo, mais elas sentem essas fissuras.”
Geralmente, as pessoas sentem desejo por alimentos de que gostam — mas nem sempre é assim. “É possível gostar de um alimento sem sentir um desejo incontrolável por ele, da mesma forma que é possível sentir fissura por um determinado tipo de alimento sem que se goste dele”, diz Marcia Pelchat, psicóloga alimentar da empresa de pesquisas Monell Chemical Senses Center.
Um exemplo é pipoca vendida nos cinemas. Segundo Pelchat, “a maioria das pessoas admite que a pipoca vendida nos cinemas não é a melhor do mundo, mas se a fila da pipoca estiver grande demais e você não conseguir comprar, você pode bem ficar desejando a pipoca.”
Exames de ressonância magnética funcional feitos por Pelchat mostraram que os desejos fortes por alimentos causados pela memória sensorial ativam as mesmas regiões do cérebro que as fissuras por álcool e drogas. Entre essas regiões cerebrais estão o hipocampo, que auxilia no armazenamento das memórias, a ínsula, envolvida nas percepções e nas emoções, e o núcleo caudado, que é importante para o aprendizado e para a memória. Esse circuito é impulsionado pela dopamina, neurotransmissor responsável pelo aprendizado movido a recompensa.
Especialistas dizem que essas fissuras alimentares são aceitáveis de vez em quando — digamos, por panetone no Natal, ou por escolhas alimentares saudáveis durante o restante do ano. Mas se render às tentações constantemente pode fazer com que esses desejos saiam do controle.
Pesquisadores que estudam o cérebro observaram que, quando as pessoas bombardeiam seus circuitos de recompensa constantemente com drogas, álcool ou alimentos ricos em açúcar, muitos dos receptores de dopamina de seu sistema param de funcionar para impedir uma sobrecarga. E, com um número menor de receptores de dopamina trabalhando, o sistema começa a apresentar mais e mais desejos, tornando-se insaciável. “Logo, um cupcake já não é suficiente. A pessoa tem que se entupir e nem assim conseguirá obter a recompensa que procura”, diz Pam Peeke, médica e escritora de livros sobre alimentação. Ela observa que o vício de comer cria alterações no córtex pré-frontal, que normalmente domina a impulsividade e os ímpetos viciantes.
Qual é a melhor maneira de lutar contra essas fissuras? Muitos estudos mostraram que, quanto
mais as pessoas tentam restringir um alimento, mais elas o desejam. Por isso, alguns especialistas recomendam aceitar a fissura e controlá-la.
Um estudo de 2003 do University College de Londres constatou que as pessoas que comiam chocolate só durante ou logo após as refeições conseguiram parar de ingerir o alimento mais facilmente do que aquelas que ingeriam chocolate com o estômago vazio.
A terapia cognitivo-comportamental também pode ser útil. Pesquisadores de Adelaide, na Austrália, entregaram a 110 chocólatras declarados um saco de chocolates para ser carregado onde quer que eles fossem durante uma semana, e aplicaram a metade delas uma “reestruturação cognitiva” — questionando suas ideias a respeito do chocolate —, enquanto a outra metade passou por uma “neutralização cognitiva” — para aceitar e observar suas ideias sem agir a partir delas. Ao final do experimento, o grupo que passou pela neutralização tinha três vezes mais chocolates do que o outro grupo.
Exercícios também podem ajudar. Mulheres que caminharam vigorosamente sobre uma esteira durante 45 minutos apresentaram reações cerebrais bastante inferiores a imagens de alimentos, segundo um novo estudo da Universidade Brigham Young, nos EUA.
Outras formas de distração são mascar chiclete e cheirar um produto não relacionado a alimentos. Aspirar o aroma de jasmim, por exemplo, ajuda a ocupar os mesmos receptores que atuam nos fortes desejos alimentares.
E estudos mostram que, quanto mais tempo as pessoas adiam a ingestão do alimento desejado, mais fracas fica a fissura.
Melinda Beck (Amigos do Freud)
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