Distúrbio sexual é abordado no filme de Steve McQueen - Ciclo CEAP

Distúrbio sexual é abordado no filme de Steve McQueen

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Distúrbio sexual é abordado no filme de Steve McQueen

O comportamento compulsivo do personagem se relaciona com sua dificuldade de se vincular afetivamente

Por Simona Argentieri

Desde o cartaz e as sinopses, todas as premissas indicavam ser um filme interessante, sem preconceitos, até mesmo picante, mas certamente não banal. Shame (vergonha, em inglês) apresenta a história de Brandon, um homem jovem, bonito e bem-sucedido, executivo de uma empresa de prestígio de Nova York, que sofre de um moderníssimo distúrbio: sex addiction, dependência de sexo.

Já na cena inicial vemos o protagonista nu em primeiríssimo plano bem iluminado, enquanto mantém relações sexuais em silêncio com uma desconhecida. Em seguida se masturba, faz xixi e se masturba novamente. Está em seu apartamento – pequeno, elegante, mas com decoração fria, impessoal. Quando a ação se transfere para o escritório as coisas não mudam muito, porque ali também passa o tempo olhando sites pornográficos ou trancado no banheiro para praticar onanismo, com grande desperdício de papel higiênico e energia.

A seu lado, desfilam belos corpos – a maioria femininos, mas também alguns masculinos – de todas as cores, que Brandon consome incansavelmente, taciturno e insaciável. A única vez que falhou foi quando tentou fazer amor com uma graciosa e sensível colega. Cortejou-a – na verdade, brevemente – depois a convidou para jantar em um restaurante italiano, onde chegou deselegantemente atrasado. Depois passearam um pouco a pé e conversaram. “Em que época você gostaria de ter vivido? Eu gostaria de ter sido um músico nos anos 60”, diz ele. E ela responde gentil: “Eu, ao contrário, gosto de viver aqui e agora”. Diante da resposta, algo surpreso, Brandon retruca com desdém. Apesar disso, consegue levá-la a um fantástico quarto de hotel de frente para o rio Hudson, com enormes janelas envidraçadas; a sugestão do lugar é fazer sexo em plena luz, contra a vidraça, em uma espécie de exibicionismo anônimo e total voltado para a natureza.

Mas ali, Brandon falha, sente-se um fiasco. Surge então uma implícita, mas nem tão sutil, explicação psicológica: ele pode (ou melhor, deve) ter ereções em série como um autômato, mas não suporta o envolvimento emotivo. Caso tente, sua punição é a impotência. A maioria de suas parceiras, de fato, é constituída por prostitutas, que dele não esperam nada, exceto dinheiro.

A câmera se detém muitas vezes na vidraça, com um jogo hábil de reflexos que nos fazem olhar ao mesmo tempo dentro e fora da ação. Steve McQueen – que antes de aventurar-se na direção foi um premiado autor de videoinstalações de arte contemporânea – deleita-se com uma narração cinematográfica preocupada com os detalhes, concentrada mais em objetos inanimados que nos personagens: lâmpadas, louças, eletrodomésticos frios, enquanto os corpos nus bem torneados parecem mais peças sem vida que fonte de excitação.

A única menção biográfica do protagonista é a irmã Sissy – vivida pela atriz Carey Mulligan, de rostinho infantil, mas já um pouco envelhecida – que se exibe na cobertura de um arranha-céu cantando New York, New York com um fio de voz, levando os espectadores ao esgotamento. É possível intuir que os dois compartilharam uma infância infeliz e provavelmente incestuosa. Mas, se Brandon é um solitário crônico, a garota sofre de uma patologia oposta e simétrica de dependência afetiva que faz com que se agarre a qualquer um que lhe mostra um mínimo de ternura e a leve para a cama.

Certamente a obsessão erótica masculina não é uma novidade. De maníacos sexuais a história está repleta, com grande riqueza de respectivas elucubrações morais, estéticas e filosóficas que assinalam como atrás das brilhantes vestes de Eros se esconde taciturna a pulsão de morte. Também no espetáculo teatral e cinematográfico, de Molière a Fellini, são incontáveis esses heróis tristes, condenados ao sexo compulsivo e incapazes de amar.

As explicações psicológicas são tão numerosas quanto monótonas: infância com mãe com quem não puderam contar, pai ausente, homossexualidade latente, angústia de castração… A necessidade de repetir a sedução e a união carnal com tantas parceiras corresponde à incapacidade de estabelecer uma relação com uma mulher apenas – ou pelo menos com uma de cada vez – em uma comunhão de paixão, afeto e ternura. O que se vê é o testemunho de uma época, do drama existencial do homem “ultracivilizado”, uma espécie de crônica estereotipada de tantos que transformam a “liberdade” sexual na condenação a uma compulsão solitária.

A “novidade” está na escolha do diretor em não levar em conta a literatura psicopatológica do passado, mas apenas as poucas notas escassamente descritivas relatadas nos atuais manuais de psiquiatria – compilados nos Estados Unidos e muito difundidos em todo o mundo. Sem se perder em aprofundamentos clínicos, esses compêndios colocam a sex addiction ao lado de outras dependências “clássicas” como as drogas e o álcool, e “modernas” como a dos jogos de azar, de alimentação, uso compulsivo do computador e internet. Cúmplices perfeitos, muitas vezes psiquiatras e pacientes não têm nenhuma propensão à investigação interior: limitam-se ao sintoma esperando encontrar a causa em um defeito no DNA e a cura em um psicofármaco específico.

Desse modo, em um estilo muito atual, o caso clínico de Brandon carece de história, profundidade emotiva e dimensão inconsciente. As complicações sentimentais e morais ficam fora de cena e tudo se reduz ao comportamento, a concretude regressiva do funcionamento corporal. A relação, ainda que patológica, não é com as mulheres, mas com seu pênis, que, somente quando está ereto o faz sentir-se vivo, e apenas o orgasmo lhe permite anular-se brevemente e vencer o mal-estar que o domina. O efêmero simulacro de identidade, porém, não constrói nada dentro dele e o condena à monótona repetição da experiência. Mais do mesmo, sem criatividade. Há um vazio de sentido que permeia a trama, provocando nos espectadores uma nesga de angústia, mais próxima da repugnância que do escândalo.

SHAME. 101 min – Reino Unido, 2012. Direção: Steve McQueen. Elenco: Michael Fassbender, Lucy Walters, Mari-Ange Ramirez, James Badge Dale , Nicole Beharie, Alex Manette, Hannah Ware, Elizabeth Masucci

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