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‘Viciados’ em jogos preocupam pais e psicólogos

MARIANA VERSOLATO

Jogos de RPG on-line estão criando uma legião de adolescentes dependentes e levando à especialização do atendimento psicológico e psiquiátrico no Brasil.

Fenômeno recente, esse tipo de vício fez também com que clínicas para dependências químicas (como álcool e tabagismo) se adaptassem para tratar a nova patologia.

A Associação Americana de Psiquiatria chegou a considerar a inclusão do vício em videogames na nova e quinta versão do DSM (Manual de Diagnósticos e Estatísticas), mas decidiu que ainda não há evidências suficientes.

Não é raro, porém, que psiquiatras e psicólogos se deparem com casos de adolescentes e adultos jovens com graves consequências em suas vidas por causa do uso excessivo dos jogos. Pesquisas também mostram semelhanças entre os jogos on-line e os de azar, como bingos.

Entre os jogos de videogame, aqueles que têm o maior potencial de criar dependência são conhecidos como MMORPG (“massively multiplayer online roleplaying game”). Traduzindo: diversos participantes se aventuram em desafios e simulações de guerras (para citar um dos cenários do RPG) de forma intensa, por muitas horas ou até dias seguidos.

O poder viciante desses jogos tem a ver com suas características: não há “game over”; o sucesso depende das horas investidas; e os desafios requerem um grupo de jogadores (para lutar contra o próprio jogo ou contra outras equipes), o que os torna responsáveis pelo time e os desestimula a deixá-lo.

EM BANDO

Há também um sistema de recompensa pelos desafios enfrentados, e a interação entre os jogadores acaba funcionando como rede social.

“Muitos dos pacientes contam que o mais legal é a interação com os colegas no jogo. Dizem se sentir mais valorizados, queridos e eficazes no jogo do que em casa ou na vida”, diz Cristiano Nabuco, pesquisador na área de dependência em internet do Instituto de Psiquiatria da USP.

A psiquiatra Analice Gigliotti, chefe do setor de dependências químicas da Santa Casa do Rio de Janeiro e médica do Espaço Cliff, conta que começou a tratar dependentes de tabaco há 20 anos, mas há pouco tempo teve de aprender a lidar com os jogadores compulsivos.

“A internet é a dependência da vez, com um uso cada vez mais distribuído. Nela, os jogos on-line são os mais perversos”, afirma.

Além do Rio, há serviços especializados em dependências tecnológicas em São Paulo e Porto Alegre. Psiquiatras e psicólogos que tratam de transtornos do impulso também têm lidado mais e mais com jogadores on-line.

Em outros países, o problema é mais discutido e também mais grave: Coreia do Sul, China e Estados Unidos têm casos de mortes de jovens em decorrência de dias ininterruptos de jogos. Nos EUA, no início do mês, um garoto de 15 anos foi hospitalizado por exaustão e desidratação após jogar “Call of Duty” por quatro dias inteiros.

Serviços especializados em jogos on-line também são mais numerosos e existem desde 2006 na Europa. Na Coreia do Sul há até um acampamento de “desintoxicação” de jogos para meninos, onde eles fazem atividade física e reaprendem a brincar.

PASSATEMPO

A tendência, dizem especialistas, é que o problema comece cada vez mais cedo, até porque já há redes sociais com jogos para crianças, e o uso de eletrônicos é estimulado pelos próprios pais.

“Sempre se pensou que era um passatempo inofensivo. Mas começamos a ver uma situação curiosa nas famílias: o problema estava dentro do quarto dos adolescentes, enquanto os pais achavam que assim estavam seguros”, afirma Daniel Spritzer, psiquiatra e coordenador do Grupo de Estudos de Adições Tecnológicas, em Porto Alegre.

É o caso de Julio (nome fictício), 18, do Rio de Janeiro. Sua mãe, que também preferiu não se identificar, percebeu que o simples gosto por jogos eletrônicos havia se tornado um vício quando o filho parou de estudar e perdeu o interesse em sair de casa.

“O problema piorou aos 15 anos. Se eu pedia para ele sair do computador, começava a briga. Ele mentia dizendo que ia dormir, mas ficava jogando. O que mais doeu foi o afastamento da família. Não sabia mais o que fazer.”

Ela conta que a coisa piorou de vez quando ele repetiu de ano e começou a colocar dinheiro na conta de outra pessoa para que seu personagem no jogo ficasse mais poderoso. A solução foi buscar tratamento em uma clínica privada, no início do ano.

“Ele não está 100%, mas já melhorou muito. Faz terapia e usa remédio para controlar a compulsão”, diz a mãe.

Segundo Gigliotti, é importante que os pais busquem ajuda porque esse comportamento pode se arrastar e atrapalhar durante toda a vida.

Quanto à abordagem, Spritzer diz que os pais precisam se aproximar do filho sem recriminá-lo para abrir um canal de comunicação.

“Não adianta virar policial do filho. A ideia do tratamento é reaprender a usar o computador e colocar outras atividades no lugar.”

Fonte: Folha de São Paulo

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