Classificado como um transtorno neurobiológico de origem genética, o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) tem sido alvo de interesse dos pesquisadores na última década. Entre os aspectos psicossociais relevantes destaca-se o estresse proveniente das dificuldades enfrentadas cotidianamente pelas famílias que convivem com o TDAH e seu impacto na saúde psíquica dessas pessoas.
Os sintomas apresentados pelos portadores desse transtorno – que incluem a hiperatividade, a impulsividade e a desatenção – geralmente dificultam-lhes o cumprimento das exigências de desempenho impostas pelas organizações sociais dos nossos dias.
A aceleração dos processos relacionados à informação, a crescente pressão pelo bom desempenho e o aumento da competitividade são alguns dos fatores que trouxeram muitas mudanças também à vida das crianças e adolescentes. A punição por não atender a essas demandas pode ser a exclusão, a discriminação, a violência ou a negligência, além do risco de fracasso acadêmico, profissional, social e afetivo.
Pais e educadores têm sido desafiados a encontrar novas estratégias educativas, pois frequentemente fracassam em suas tentativas de impor limites e disciplina, especialmente quando se veem às voltas com crianças e adolescentes que têm TDAH.
Movidos principalmente pelos sentimentos de impotência, tendem a aplicar punições cada vez mais severas e a assumir atitudes que se configuram como abuso físico e/ou emocional, embora essa estratégia não surta o resultado esperado, que seria o controle sobre o comportamento de crianças e jovens.
Discriminação e abuso escolar
A escola representa um dos principais problemas apontados pelas famílias afetadas pelo TDAH. Os pais enfrentam dificuldade quando tentam encontrar uma instituição que atenda às necessidades de seus filhos. Estes geralmente passam por sucessivas transferências, devido à falta de recursos pedagógicos das escolas.
As constantes solicitações de comparecimento à escola, ocasiões nas quais ouvem queixas a respeito do comportamento e do desempenho de seus filhos, são percebidas pelos pais não como diálogos ou tentativas de apoio mútuo escola-família, mas como imposição e cobrança, o que os leva a deixar de atender às convocações, já que não sabem como resolver o problema.
Além das punições às quais crianças e adolescentes com TDAH são submetidos em casa, também sofrem maus-tratos na escola, enfrentando humilhações, desqualificação, exclusão e comparações perversas por parte de colegas e professores.
O despreparo dos sistemas de saúde e de educação para atender adequadamente a essa população é um fator agravante do estresse familiar, que por sua vez eleva as chances de violência dentro da própria família.
As dificuldades enfrentadas pelos portadores de TDAH nas interações familiares e escolares acarretam prejuízos sociais, emocionais e acadêmicos, e podem contribuir
para o desenvolvimento de psicopatologias como transtorno de humor, transtorno desafiador de oposição e conduta, problemas de aprendizagem, transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e abuso de substâncias químicas, todos com alta prevalência de comorbidade com TDAH.
Como evitar maiores danos
Discutem-se, com razão, os excessos de diagnóstico e de medicalização de crianças e adolescentes com TDAH, mas não podemos desconsiderar o sofrimento das pessoas envolvidas. É fundamental que se faça um diagnóstico cuidadoso com profissionais qualificados, bem como medicar os pacientes, quando isso se fizer necessário.
O tratamento psicoterápico e medicamentoso do TDAH pode evitar muitos danos à vida dos portadores do transtorno e de seus familiares. Além de diminuir as perdas no âmbito afetivo, acadêmico e social, o atendimento adequado pode prevenir maus-tratos contra crianças e jovens e evitar o desenvolvimento de psicopatologias como depressão e ansiedade tanto nos filhos quanto nos pais.
Enquanto a ciência busca desenvolver estratégias educativas e práticas pedagógicas mais adequadas para crianças e adolescentes considerados “diferentes”, não podemos perder de vista os aspectos sociais fundamentais à gênese e ao agravamento do problema.
O normal, o anormal e o ideal são criações ideológicas. O ideal de homem do nosso tempo está referenciado na eficácia e no sucesso; no uso maximizado do tempo e da informação; na produtividade resultante de planejamento, organização e disciplina. Estes são requisitos ausentes, em grande medida, em pessoas com TDAH, que se colocam “fora da norma”. Se não tivermos para elas um olhar baseado na ética, teremos que pagar o preço social que isso implica.
As consequências do TDAH não tratado se estendem dos danos à vida pessoal do portador até a vida familiar, chegando à sociedade na forma de comportamentos antissociais que, na vida adulta, poderão se voltar contra o cônjuge, os filhos e a sociedade. Algumas pesquisas encontram altos índices de
TDAH entre presidiários, quase todos com histórias de abuso físico e emocional na infância.
Cabe, portanto, aos adultos, profissionais de saúde e educação, pesquisadores e cidadãos em geral, cuidar bem das crianças e dos adolescentes. Se não por amor ao indivíduo, que seja pelo bem da sociedade no presente e no futuro.
O artigo acima foi escrito pela Vânia de Morais, psicóloga, mestre em Ciências da Saúde, doutoranda em Linguística, pesquisadora em cognição e linguagem. Ela é ministrante do curso de Terapia Cognitivo Comportamental que está agendado para o mês de fevereiro no Ciclo CEAP.