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Perdas e Somatização – Um desafio para os psicólogos

Um caso clínico

Certa vez acompanhei um caso de uma moça que havia perdido seu filho, que faleceu inesperadamente com poucos meses de idade. Ela desfez com bravura do quarto do bebê, doou todas as suas roupas e brinquedos, guardou todas as fotos, e se recusava a falar do assunto. Nem mesmo se permitiu chorar ou vivenciar seu sofrimento. Enquanto o marido caiu em profunda tristeza, ela seguiu trabalhando e levando a vida normalmente. As pessoas próximas tinham a impressão de que ela era forte e tinha enfrentado com bravura uma das circunstâncias mais doloridas que uma pessoa pode enfrentar.

A explosão da alma através da somatização

Um dia esta moça apareceu com sintomas inexplicáveis, e começou a percorrer muitos médicos, sem que nenhum chegasse a um diagnóstico. Encaminharam-na a uma psicoterapia. O diagnóstico emocional foi bastante obvio, e o trabalho, embora sofrido, foi muito gratificante. No consultório ela vivenciou todo processo de luto, que ela por autodefesa não se permitiu vivenciar na época.

O caminho da cura

Na terapia ela relembrou cada etapa da perda, entrou em contato com a culpa que sentia, viu fotos, chorou, gritou, se perdoou, despediu-se de todos os projetos que tinha feito para seu filho e trouxe a imagem do sorriso dele para dentro do seu coração, onde ele iria viver para sempre.

Vários recursos e ferramentas podem ser úteis

Algumas técnicas de Bioenergética, Hipnose, Ancoragem, Gestalt e exercícios da Terapia Sistêmica ajudaram no processo, e depois de algum tempo os sintomas físicos desapareceram completamente.

No exercício da psicologia enfrentamos muitas situações onde uma perda é o motivo dos sintomas do nosso paciente. A somatização costuma ser a explosão da alma, onde toda dor represada encontra passagem.

Uma metáfora sobre a trajetória da dor da perda

Há algum tempo escrevi algo que pode explicar o processo de elaboração saudável de uma perda. Vou compartilhar com meus colegas de profissão, e espero com esta metáfora  possa contribuir com a visão de vocês sobre o assunto.

As perdas e as queimaduras

Perdas são como queimaduras. No primeiríssimo instante não sentimos dor, apenas um susto.

Depois começa a doer e a dor vai crescendo a um nível quase insuportável. Parece que não vai passar nunca!

A dor persiste e nada parece ter mais graça ou importância. Ela absorve toda nossa atenção e continua a doer.

Mas chega um momento que a dor vai diminuindo quase que de forma imperceptível e aos poucos nossa paz vai sendo possível.

Por vezes algo toca a ferida, e ela volta a doer demais! Aos poucos vai passando de novo…

Um belo dia percebemos que a dor vai dando lugar a um dolorido, e depois a queimadura vira uma cicatriz, que nos lembra sempre do que aconteceu, mas que não dói mais como antes.

Continuamos a viver com aquela marca, mas a felicidade já é possível.

Elaborar as perdas da nossa vida de forma saudável é fundamental para que possamos seguir em frente com direito a ser feliz novamente.

Luciana Lemos

 

 

7 Comments

  1. Luciana disse:

    Gostei muito das palavras que o artigo traz.

  2. Franciane Carvalho disse:

    Artigo excelente e esclarecedor.

  3. Luca Lima disse:

    Eu diria que a paciente ao longo de muito tempo emitia um padrão de comportamento de fuga e ou esquiva dos sentimentos, pensamentos e memória típicos do luto através da rotina atarefada, porém a fuga e esquiva de eventos privados não possui eficácia a longo prazo, mas tende a criar um ciclo vicioso, pelo fato de fugir desses eventos serem reforçadores ao próprio comportamento de fuga/esquiva. Ou seja, suponho que a paciente vivia num contexto de estresse e briga com os proprios eventos privados, que podem ter causado danos ao sistema imunológico. No entanto abraçar a dor, sem indentificar-se com ela, deixá-la vir e ir em seu próprio tempo é menos doloroso que evita-la a todo custo.

  4. Clélia Louvisi Bourganos disse:

    Mais um presente esta leitura. Gratidão por compartilhar conhecimentos.

  5. Meire Aparecida Freitas de Oliveira disse:

    Perfeito

  6. Meire Aparecida Freitas de Oliveira disse:

    Gostei muito. É sempre bom compartilharmos vivências em nossa profissão

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