Um dia fomos crianças. Desorientados no tempo e no espaço. Não havia “ontens” – e com eles mágoas, ressentimentos, angústias e tragédias – nem havia “amanhãs” – com sofrimentos antecipatórios, agendas do dia seguinte, ansiedades de problemas imaginários e sem solução (pois são, por definição, imaginários!).
Um dia fomos crianças e vivemos no único tempo possível – o presente! Tudo era uma dádiva: o brinquedo, o sanduíche, as cores, os filmes, os amigos, a rua, a fazenda, a praia, as férias…
Ríamos de forma descontraída e ingenuamente. Maldade era “coisa de bandido”. Vibrávamos com heróis impossíveis: super-homens, homens-aranha, homens-morcego e mulheres-gato, que, embora sempre lutando, nunca morriam ou saía sangue. Apenas boas surras nos bandidos que iam para o “xilindró” até reaparecerem, não se sabe como, no próximo episódio.
Tínhamos também heróis em nossas casas: avós, pais, mães, tias … Mas, quando ficavam chatos nas broncas, corríamos para o quintal a resmungar com bonecas-filhas ou cachorros vira-latas que, solidários, abanavam seus rabos, enquanto coçavam suas infinitas pulgas.
É… um dia fomos criança e inventamos brinquedos de pau, pneu e pregos. Ríamos e éramos felizes, sem saber o que era o mundo dos adultos, sempre sérios, irritados, preocupados com tudo: contas, gente doente, gente que morreu e que nasceu morta.
E nós ali, pensando na queimada ou futebol depois da aula, na brincadeira de casinha com as meninas mais bonitas da rua.
Ah! Que saudade da gente mesmo, da criança que mora dentro da gente. Que saudade de um presente sem a contaminação do passado de culpa e do futuro sempre aflitivo e ruinoso. Tempo de magia. Do faz-de-conta, do romantismo, do contato com a natureza, onde havia tempo para tudo: estudar, conversar com a família, brincar, escutar história, inventar história, amar, ser amado, ser castigado, chorar por isso e aí, sonhar em ser grande só para sair de casa. Ah! Tempo de jantar de domingo na casa do tio, encontro com os
primos, missa obrigatória e medo de ir para o inferno…
Eu era feliz e nem precisava saber, pois fazia poesia e reparava na lua cheia e no céu coalhado de estrelas. Sonhava ser astronauta e um dia …
Ei olha só! Naquela época eu sonhava!
Texto utilizado no curso Diagnóstico Psicológico Infantil e Orientação de Pais do Ciclo CEAP