Para psicóloga, família deve saber equilibrar tarefas com períodos de brincadeiras e lazer
É cada vez maior o número de crianças e adolescentes afetados por excesso de atividades no dia-a-dia. Essa sobrecarga, somada ao medo de decepcionar os pais, pode levar crianças a partir de 6 anos a desenvolver estresse infantil. A psicóloga Márcia Ferreira observa que os pais impõem aos filhos, desde pequenos, várias atividades – como música, balé, esportes, idiomas – para que eles não fiquem sozinhos em casa enquanto trabalham. “O objetivo desses pais é estimular nos filhos a possibilidade de ascensão profissional e pessoal de mais qualidade no futuro”, comenta. “Porém, a criança não é uma máquina. Ela passa por etapas de desenvolvimento que precisam se respeitadas; brincar é uma delas. Quando não têm esse tempo, aparecem os sintomas de estresse”.Márcia cita os sintomas físicos: dor de barriga ou de cabeça sem causa aparente, diarreia, náuseas, gagueira, tiques nervosos e alterações no apetite. “Elas também podem voltar a fazer xixi na cama e ranger os dentes.
Os sintomas psicológicos são: pesadelos e choros à noite, ansiedade, medos diversos, choro excessivo sem motivo justificado, agressividade, impaciência, dificuldades de relacionamento em geral e isolamento. Ou seja, ficam hipersensíveis a tudo”, resume.Esse estresse, de acordo com a psicóloga, decorre também da competitividade que surge na criança, que quer se sobressair na escola ou nos círculos de amigos. “Além da cobrança dos pais, no mundo hi-tech que exige velocidade em tudo, elas também se cobram muito”.Excesso de atividades para a criança não é saudável, segundo Márcia. “Criança precisa viver a infância na medida certa. A brincadeira alivia as ansiedades e a coloca em meio à fantasia infantil e às coisas próprias de sua idade, que vão ajudá-la a conquistar a maturidade aos poucos.
Não se pode fazê-la pular essa fase fundamental de preparação para o mundo adulto. Sem ela, a criança pode adoecer”, adverte.A psicóloga explica que o diagnóstico de estresse é mais determinante a partir dos 7 anos, quando os sintomas se tornam característicos. “Um só sintoma não quer dizer que ela esteja estressada. Se surgirem quatro ou cinco juntos, já se pode identificá-lo”. Quando o orientador da escola observa tais sintomas, pede que os pais encaminhem o filho para um psicólogo.A experiência de Márcia mostra que, mesmo ouvindo do profissional que seu filho está com estresse, os pais têm dificuldade de entender e até de aceitar o fato, considerando que pode ser um problema passageiro. “Se não for tratado a tempo, o estresse pode se transformar em depressão infantil e ambos caminham juntos”, conta.Ela deixa claro que a depressão na criança nem sempre se caracteriza por tristeza. Muitas vezes, pode surgir com alterações bruscas de humor – alternância entre tristeza e euforia – daí a designação da depressão infantil como um transtorno de humor. “Esse transtorno compromete o desenvolvimento, interferindo no processo de maturidade psicológica e social”. Os sintomas clássicos da depressão infantil são: ansiedade, tristeza, irritabilidade, agressividade, hiperatividade, rebeldia, perda de interesse nas atividades, diminuição da atenção e da concentração, baixa autoestima e sentimento de inferioridade. “Na depressão, a criança passa a lamentar-se de dores, sentir culpas, chorar muito e é incapaz de reagir a conflitos”, relata. Insônia e falta de energia para qualquer atividade, além de pessimismo e negativismo, também podem estar presentes.Verifica-se em muitas famílias a falta de atenção dos pais para o desenvolvimento da criança.
Uma forma de evitar o estresse e a depressão infantil é respeitar a opinião da criança e permitir-lhe escolher as atividades, mesmo que mude de ideia depois, como faz um adulto. “Ela pode experimentar coisas que depois vai descobrir que não gosta. E não pode virar depositária de situações e afazeres que seus pais não puderam ter na infância”, sugere. E adverte: “Mesmo assim, essas atividades não podem passar de três por semana”. A maturidade precisa ser desenvolvida na infância, com uma cadeia de relacionamentos que vão proporcionar o desenvolvimento das áreas cognitivas e sociais. Esse progresso, segundo Márcia, só se faz ao brincar, interagindo com outras crianças: “Além disso, ela deve sentir a proximidade e a atenção dos familiares, com muito diálogo”.
A persistência de pelo menos quatro sintomas de depressão infantil por vários meses é um sinal de alerta, segundo a psicóloga. “Se o pai só procurar ajuda depois de alguns anos, quando a criança já está isolada e num mundo distante, ela pode precisar de medicação, e para isso será encaminhada a um psiquiatra”, diz. A psicóloga cita casos extremos de depressão num adolescente, que persistiu desde a infância: “Ele pode ter ideias suicidas e até mesmo tentar suicídio”, alerta. Os pais devem atentar, ainda, para sinais de consumo de drogas e álcool. “O ideal para prevenir estresse e depressão infantil é dosar as atividades da criança, entre físicas e intelectuais.
Além disso, evitar deixá-la no computador por muitas horas, pois estará exposta a várias situações negativas”, conclui.
Márcia Ferreira Graduada em Psicologia pela FMU/SP e Pós-graduada pela PUC / SP
Fonte: ABP – Associação Brasileira de Psiquiatria