Ainda estamos todos perplexos com o acontecido em Brumadinho, onde várias vidas foram destruídas em poucos minutos, deixando centenas de famílias destroçadas.
Como psicólogos, não estamos imunes aos sentimentos de choque, indignação, sensação de impotência e tristeza que se abateu nas pessoas envolvidas diretamente ou não nesta situação.
Fomos chamados para apoiar as famílias, que desesperadas procuravam seus entes queridos, movidas por um fio de esperança, agora desfeitos pela dura realidade das probabilidades.
Seremos ainda solicitados para ajudar nesta grande missão de recompor psicologicamente os atingidos.
Um desafio para os psicólogos
Trabalhar com o sofrimento psicológico é a nossa especialidade, mas como é difícil administrar a empatia e a isenção necessárias para ajudar tantas pessoas passando por este trauma!
Mais difícil ainda, porque envolve não só perdas, mas desaparecimentos.
Trabalhar a superação é mais difícil quando a morte, apesar de presumida, não é concreta.
Para elaborar perdas de uma maneira libertadora, é desejável que as pessoas passem pelas fases do luto, e isto é mais difícil quando não há corpo, quando as evidências apontam para a morte, mas não há uma prova definitiva do fato.
Quando não há concretude na morte, mas evidências contundentes do ocorrido, as famílias e amigos devem tornar o fato concreto simbolicamente.
Deve haver entendimento do que aconteceu, o enfrentamento de todas as duras etapas dos rituais e cultos e uma data para ser lembrada. Isto pode tornar menos difícil a superação, que ainda está por vir.
Em seguida deve haver a auto- permissão para chorar, sofrer, ver fotos, relembrar coisas, perdoar, e principalmente se perdoar.
Nas perdas, as pessoas têm tendência a procurar culpa dentro de si, e acabam sofrendo ainda mais com isso. Uma briga mal resolvida, uma palavra não dita, um abraço não dado, enfim, tudo é motivo para sofrimento.
É nosso papel ajudar as pessoas a compreender e elaborar estes sentimentos.
Todo processo depende de vários fatores, e vai ocorrer de modos diferentes para as diferentes pessoas e famílias, mas a ajuda de um psicólogo é, sem dúvida, muito bem-vinda.
A paz um dia chega
Depois de vivenciar a dor profunda, vem chegando uma certa calma, que entremeia os momentos de dor. Por fim a paz começa a ser vivenciada, e a vida segue seu curso, como tem de ser.
Uma metáfora sobre a trajetória da dor da perda
Há algum tempo escrevi algo que pode explicar o processo de elaboração saudável de uma perda. Não é fácil, mas é possível.
As perdas e as queimaduras
Perdas são como queimaduras. No primeiríssimo instante não sentimos dor, apenas um susto.
Depois começa a doer e a dor vai crescendo a um nível quase insuportável. Parece que não vai passar nunca!
A dor persiste e nada parece ter mais graça ou importância. Ela absorve toda nossa atenção e continua a doer.
Mas chega um momento que a dor vai diminuindo quase que de forma imperceptível e aos poucos nossa paz vai sendo possível.
Por vezes algo toca a ferida, e ela volta a doer demais! Aos poucos vai passando de novo…
Um belo dia percebemos que a dor vai dando lugar a um dolorido, e depois a queimadura vira uma cicatriz, que nos lembra sempre do que aconteceu, mas que não dói mais como antes.
Continuamos a viver com aquela marca, mas a felicidade já é possível.
Elaborar as perdas da nossa vida de forma saudável é fundamental para que possamos seguir em frente com direito a ser feliz novamente.
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