A vida virtual criou novas formas de amar e de trabalhar. O que não está claro é se esta mudança trará modalidades originais de sofrer e enlouquecer. Há muitos efeitos desta nova forma de laço social para a psicopatologia. Os paranoicos se tornam mais paranoicos. As anoréxicas, antes isoladas, se organizam em coletivos de reivindicação. A fobia social está próxima de uma cura espontânea. Os deprimidos se tornam ainda mais deprimidos com a felicidade alheia. De todos os tipos socialmente patógenos, e digo isso sem nenhum rigor técnico, o que melhor se saiu em matéria de internet é a loucura materna.Erasmo de Roterdã (1466-1536) dizia que há dois tipos humanos: os loucos sábios e os loucos loucos. Os loucos sábios são aqueles que sabem que o convívio humano é uma loucura. Um teatro composto de farsa, autoengano e disparidade real entre o que somos, o que pensamos que somos e o que queremos ser. Uma colagem surrealista de desejos, atos e representações. Já os loucos loucos são aqueles que acreditam que a comédia ou a tragédia que ensaiamos para nós mesmos e para os outros, dia a dia, é a vida real. Estes que se levam demasiadamente a sério pensam que são o que são, querem a todo custo transformar seus ideais de ser, em ser necessariamente. Esses são os loucos loucos. Entre todos os tipos de loucos loucos as mães, tomadas por sua loucura materna, provisória ou longitudinal, são de fato as mais incuráveis.
A expressão sensacional de Winnicott é brilhante por sua simplicidade: mãe suficientemente boa. Não precisamos de mães demasiadamente boas. Mas elas acham que nós precisamos sim, pois elas sabem o que é “melhor para nós”. Aí começa a loucura, nossa e delas. Toda diferença entre ideal e real deve ser entendida como uma inadequação e suprimida com um ato corretivo. Por isso são também chamadas de mães tóxicas, que funcionam pela regra da dependência por extorsão: ruim comigo, pior sem mim: “Quer ver?”. No mais das vezes não é uma loucura sádica, mas uma forma de exprimir a diferença insuportável entre a maternidade prometida e a maternidade real. A projeção do sentimento de inadequação ao seu próprio ideal de maternidade acaba sendo resolvida por “ajustes na realidade”.
Com a nova tecnologia digital inteiramente à disposição deste tipo de maternidade crescem os fenômenos de aparelhamento da dependência por telefonia celular, de invasão de Facebooks, as táticas virtuais para amigar-se das mães dos amigos dos filhos, as câmeras de observação de sala de aula, as insurreições contra escolas, médicos e demais familiares incautos. E seu sofrimento é mais difícil de ser reconhecido, porque socialmente o estado de maternidade equivale ao de felicidade compulsória. Nada mais falso. Nada mais difícil de ser nomeado. Ao transformar seu sentimento de inadequação em uma diferença fundamental, uma diferença incomensurável, que tornaria seu filho, e por extensão sua maternidade, sumamente especiais, elas nos mostram como estes dois opostos se reúnem em uma coisa só. Uma loucura só.
Fonte: Mente e Cérebro
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