por Deolino Pedro Baldissera
A identidade pessoal é algo que nós vamos construindo na medida em que vamos crescendo e tomando consciência de quem somos e o que queremos da vida. Ninguém nasce pronto, nós vamos aprendendo a ser gente na medida em que vamos convivendo com os outros, e vamos descobrindo nossas inclinações e nossos gostos, bem como nossas limitações.
1. Situando o problema da identidade.
O desenvolvimento da identidade pessoal ocorre durante um longo processo que se inicia nos primeiros anos de vida, quando a criança começa a distinguir-se dos outros objetos e pessoas. Começa a se perceber diferente dos demais.
Lá pelos 2-3 anos, quando começa a falar e andar, começa a referir-se a si própria apontando com o dedo para si quando alguém lhe pede para mostrar quem é a pessoa que tem seu nome. É uma identidade ainda rudimentar, principiante, mas que lança as primeiras bases para a construção de uma identidade mais definida que vai ocorrer no período da adolescência e início da juventude.
Ela estará consolidada e bem definida quando o jovem é capaz de governar-se e orientar-se pelas próprias convicções, e ter formado um quadro referencial de reconhecimentos e de aceitação dos próprios limites, ao mesmo tempo em que respeita as diferenças que percebe nos outros. Tem um senso de autonomia e independência.
2. A subjetividade e a individualidade como fatores básicos da identidade pessoal.
Dois elementos inseparáveis na formação e consolidação da própria identidade vêm com a conquista da subjetividade e individualidade.
Por subjetividade aqui entendemos todos os processos interiores de pensamentos e sentimentos (razão e emoção), mormente os emotivos, que dão uma tonalidade à maneira de ser do sujeito, que o distinguirá dos demais.
Sua subjetividade se manifestará na maneira como lida consigo mesmo, como reage diante do mundo externo, como este se reflete em seu interior e como maneja suas emoções na forma de expressá-las ou reprimi-las.
A subjetividade diz respeito, portanto, ao seu modo pessoal de interpretar o que acontece dentro de si e como percebe o mundo que entra em si e com o qual se põe em relação.
Ao mesmo tempo em que vai tomando consciência de sua subjetividade também vai se apoderando de sua individualidade vendo-se como sujeito de sua história pessoal e sua unicidade irrepetível.
Essas aquisições da subjetividade e da individualidade não ocorrem espontaneamente com o crescimento.
Vários fatores podem favorecer ou dificultar esse processo ou mesmo impedir que se complete com relativo sucesso.
São frequentes os casos de pessoas que mostram pouco senso de auto pertença e percepção realista de quem realmente são. Há os casos mais sérios em que a identidade nem chega a se formar.
Como se vê, a formatação da identidade pessoal com os componentes subjetivos e individuais integrados não é decorrência lógica do crescimento biológico e etário. É um processo complexo que envolve o sujeito como um todo.
3. A pessoa em desenvolvimento – momentos-chave da construção da identidade.
Hoje, graças especialmente às ciências humanas e biológicas e de modo particular à psicologia, sabemos que o sujeito humano, desde seu nascimento, percorre fases que o caracterizam em momentos específicos de seu crescimento.
Por exemplo, nos dois primeiros anos de vida ele deve percorrer o caminho da separação objetal até chegar a estabelecer uma relação realista com o mundo fora dele.
Em outras palavras, o bebê não conhece as pessoas, não sabe distinguir quem é quem. Só na medida em que cresce vai descobrindo quem cuida dele, seus brinquedos etc.
Ao nascer não consegue distinguir-se das demais coisas/objetos que o cercam. Nos dois primeiros meses nem mesmo a mãe ele consegue ver como diferente de si, por isso vai ao colo de qualquer um e não estranha.
É a fase do autismo, ele e o mundo são uma só coisa.
Alguns meses depois já começa a perceber o outro como diferente de si, porém não consegue viver sem o outro ainda unido a ele.
É a fase simbiótica onde o ‘eu’ do outro é seu ‘eu’ auxiliar. Superada essa fase consegue ver o “mundo externo” dividido em duas partes – o bom e o mau, porém separados. Ou tudo bom ou tudo mau. Estabelece uma cisão.
A mãe é boa quando gratifica suas necessidades, a mãe é má quando não o atende.
Só em torno de um ano e meio a dois anos consegue fazer a integração dos dois aspectos no mesmo objeto. O bom e o mau podem conviver juntos.
Se esse processo não se conclui de forma satisfatória pode ocorrer que o indivíduo se fixe numa visão ou otimista demais (idealizações fantasiosas) desconectando-se da realidade objetiva e vivendo como que no “mundo da lua”, ou então, assume uma visão (com tão) pessimista, negativista diante da vida.
Mesmo que o dia amanheça ensolarado e radiante, vai logo se preocupar com a possibilidade de à tarde chover e estragar tudo! Consequências dessa visão distorcida da realidade afetam suas relações com os outros e comprometem o próprio sucesso diante da vida.
Esses processos iniciais abrem caminho para a primeira identificação da criança que aprende a se distinguir dos demais objetos e começa a manifestar seus desejos e como quer ser quando crescer.
Em geral, seus desejos identificatórios são de fazer o que o pai ou mãe fazem ou outra pessoa que lhe seja próxima afetivamente. Passa a imitá-las em algumas atitudes até mesmo copiando, às vezes, tiques.
Nesta fase a imaginação e a fantasia predominam nas relações com os objetos e fazem-no ser capaz de ter os próprios sonhos de futuros que são embriões de futuros ideais mais realísticos.
Com o despertar da curiosidade ele quer saber os “porquês” de tudo o que lhe dizem. Vai amadurecendo, assim, no aprendizado interacional com as outras crianças e seu companheirismo reconhecendo as semelhanças e diferenças entre si, e aceitando conviver com gostos e opiniões divergentes das suas.
Essa assimilação que se dá, sobretudo nas relações lúdicas, brincadeiras e nas trocas de experiências, o conduz a uma maior definição de sua própria identidade que ocorre na fase da adolescência.
Nela, a aquisição da autonomia vai marcá-la como alguém independente e dona do próprio nariz. É bem verdade que ainda com prepotência e inseguranças misturadas, mas já sendo capaz de testar-se no confronto com os adultos que o querem submeter.
Já não veste as roupas que a mãe quer ou separa para ele. Ele próprio põe aquelas que acha que mais lhe convêm, independente das convenções sociais dos adultos. Prefere identificar-se com seus ídolos porque estes lhe oferecem um retrato que quer desenhar para si como homem ou mulher independente, autônomo.
Passada a adolescência, evolui para uma maturidade da própria identidade em que assume mais realisticamente a vida a partir de escolhas que faz e as assume com responsabilidade seja no mundo profissional como no afetivo. Define-se por uma profissão, é capaz de produzir bens e geri-los e de comprometer-se com alguém com quem quer compartilhar sua vida afetiva na forma de constituição de família ou optando por uma instituição cujos ideais o atraem, e ele os abraça também como seus e se “casa” com eles.
O processo de construção da identidade é complexo, mas necessário para que alguém se sinta ele próprio, com suas aptidões e suas limitações.
Fonte: http://psicologiatextos.blogspot.com.br/2012/07/reflexoes.html