Uma revisão publicada na revista Food Research International mostra que micro-organismos vivos com atuação no cérebro e no desempenho cognitivo, chamados psicobióticos, podem sintetizar e regular a expressão de neurotransmissores. O estudo também descreve os potenciais efeitos terapêuticos dos alimentos fermentados na saúde mental.
Não é novidade que a microbiota intestinal desempenha diversas funções no organismo humano. Para que ela esteja em equilíbrio e promova saúde em geral, recomenda-se, entre outras coisas, o consumo de alimentos ricos em probióticos.
Além disso, cada vez mais têm surgido evidências apoiando o papel da microbiota na fisiologia do cérebro e na resposta ao estresse.
Assim, surge o conceito de psicobióticos. Enquanto os probióticos são vistos como micro-organismos vivos que trazem benefícios à saúde e podem ser encontrados em iogurtes e outros alimentos fermentados, os psicobióticos referem-se a uma classe desses micro-organismos, cujos efeitos atingem também a saúde mental por meio de um diálogo dinâmico entre microbiota, intestino e cérebro.
Recentemente, estudiosos estenderam o conceito de psicobióticos também aos prebióticos, ou seja, as fibras, que servem de alimento para os probióticos, contribuindo para o seu crescimento.
Diante disso, a revisão desenvolvida pela pesquisadora Melania Casertano, sob orientação de Vincenzo Fogliano e Danilo Ercolini, teve como objetivo fornecer:
A microbiota intestinal é composta por trilhões de bactérias que residem no trato gastrointestinal do hospedeiro em uma relação simbiótica, ou seja, beneficiando tanto os micro-organismos quanto os seres humanos.
Ela é responsável por atividades fisiológicas fundamentais, como motilidade intestinal, regulação da imunidade, síntese de vitaminas, digestão e metabolismo energético. Na verdade, alguns autores sugerem até mesmo que a microbiota seja um órgão, diante de outras funções descobertas, incluindo sua atuação no cérebro.
Como nos mostra a revisão, essa relação entre intestino-cérebro vem sendo estudada há décadas. Em 1998, Michael Gershon, professor de patologia e biologia celular, cunhou o termo “segundo cérebro” para se referir ao intestino.
No entanto, hoje acredita-se que o termo “eixo microbiota-intestino-cérebro” seja mais apropriado, pois descobriu-se que os micro-organismos intestinais também atuam ativamente nesse contexto.
Essa comunicação se dá através de múltiplos sistemas que compreendem o Sistema Nervoso Central (SNC), a microbiota intestinal, o sistema nervoso entérico (composto por neurônios e outras células situadas no trato gastrointestinal) e os sistemas endócrino e imunológico.
A revisão esclarece que a maioria dos neurotransmissores comuns no cérebro humano, como ácido gama-aminobutírico (GABA), acetilcolina, serotonina e outros, podem ser sintetizados pelos micro-organismos presentes no intestino.
Por exemplo, 95% da serotonina do corpo é produzida por células do trato gastrointestinal em resposta à microbiota intestinal e está associada à regulação da secreção e motilidade do intestino, bem como ao ajuste da cognição e do humor nas vias cerebrais.
Em um estudo recente, lactobacilos produtores de GABA (neurotransmissor responsável por inibir o Sistema Nervoso Central, proporcionando sensação de calma, por exemplo) chamaram atenção devido às suas potenciais aplicações terapêuticas em camundongos, sugerindo que os psicobióticos podem influenciar a função cerebral por meio da regulação nas concentrações desse neurotransmissor.
A microbiota intestinal também pode sintetizar uma ampla gama de metabólitos, como os ácidos graxos de cadeia curta. Acetato, butirato e propionato estão entre os principais produtos da fermentação bacteriana de fibras alimentares.
Eles podem modular vários processos fisiológicos, regular a produção de muco no trato gastrointestinal, reduzir a interação entre as células epiteliais e microrganismos e agentes tóxicos e servir de energia para as células intestinais, influenciando o eixo intestino-cérebro.
Um dos estudos avaliados mostra, também em camundongos, a diminuição na ansiedade associada ao conteúdo de ácidos graxos de cadeia curta, especificamente do acetato.
A fermentação é um processo anaeróbico (acontece sem a presença de oxigênio) no qual micro-organismos como leveduras e bactérias transformam nutrientes dos alimentos (por exemplo, açúcares como a glicose) em energia e outros produtos (ácidos orgânicos, gases, álcool). Isso dá aos alimentos fermentados sabor, aroma, textura e aparência característicos.
Alguns exemplos de alimentos e bebidas fermentados são: leite fermentado; iogurte; queijos; pães; vinhos; chucrute; kimchi; missô.
Recentemente tem sido dada muita atenção às propriedades desses alimentos por seus possíveis benefícios à saúde, como melhora da digestibilidade, redução na pressão alta, controle do colesterol, melhora da imunidade e manutenção da função intestinal.
De acordo com a revisão, esses alimentos podem apresentar efeitos distintos no cérebro a depender das matérias-primas utilizadas, o método de fermentação ou os micro-organismos envolvidos.
Por exemplo, um experimento mostrou que o leite fermentado, rico em Lactobacillus brevis, melhorou a ansiedade e a qualidade do sono de camundongos, provavelmente devido a aumentos significativos dos ácidos graxos de cadeia curta no intestino, que estão relacionados a mudanças na composição da microbiota.
Em outra pesquisa, o iogurte, rico em Lactobacillus acidophilus e Bifidobacterium lactis, consumidos por trabalhadores petroquímicos por 6 semanas, apresentaram efeito positivo na saúde mental geral.
Alga Saccharina japonica também chamada “kombu”, apresenta Lactobacillus brevis e foi consumida por participantes saudáveis de um estudo durante 4 semanas ao final das quais foram observadas alterações positivas na capacidade de memória.
Os estudiosos também lembram que os prebióticos fornecem substratos para o metabolismo dos probióticos, o que também poderia contribuir com o desempenho cognitivo.
A revisão mostrou que os psicobióticos diferem dos probióticos convencionais pela sua capacidade de produzir ou estimular a produção de neurotransmissores, ácidos graxos de cadeia curta, hormônios e outros metabólitos.
Também reforça as evidências de que a microbiota intestinal está envolvida na transmissão de informações entre o intestino e o cérebro, envolvendo vias neurais, imunes e endócrinas.
No entanto, também chama a atenção para que mais estudos sejam realizados, pois muitos daqueles avaliados foram realizados em modelos animais e mesmo as pesquisas com seres humanos podem ser insuficientes pelas análises de curto prazo e outros vieses.
Além disso, os autores apontam a necessidade de elucidações quanto ao efeito terapêutico em diferentes grupos de pessoas, mecanismos de ação e questionam se as respostas neurológicas requerem uso contínuo ou são duráveis.
Enquanto aguardamos as respostas, pode consumir alimentos fermentados que lhe agradam, com moderação, sem neuras e sempre buscando uma relação de paz com a comida e com o corpo!
Bon appétit! Sophie Deram
Fonte: https://www.uol.com.br/