Em entrevista exclusiva para o Ciclo CEAP, Marisa Verdolin psicóloga e terapeuta sistêmica de família, individual e casal conta como é a relação entre o psicólogo e casal que procura a terapia de casal.
A Terapia de Casal é um grande desafio tanto para os parceiros quanto para os terapeutas
Para atender casais, os psicólogos deverão adquirir conhecimentos e desenvolver habilidades específicas para enfrentar este processo, tão desafiador como gratificante.
Interação entre terapeuta e o casal
Nos cursos que ministro procuro focar bastante na interação entre terapeuta e casal, o que acredito que faça toda diferença em um processo de terapia.
Quando esta aliança terapêutica é bem feita, a chance de sucesso do processo é potencializada.
Isto porque os papeis são bem definidos, e a confiança é estabelecida, condição essencial para que o casal fique seguro da imparcialidade do terapeuta, e para que os objetivos da terapia fiquem bem claros.
Algumas considerações sobre o casamento
Uma premissa importante na terapia de casal é que casamento não foi Deus quem instituiu. O terapeuta precisa ter clareza nisso. A escolha de caminhar lado a lado não é uma determinação divina, e sim uma necessidade humana, independente da crença, tanto do terapeuta quanto dos clientes.
Todos buscam o amor
As pessoas precisam se sentir amadas! Precisam criar um elo de apoio mútuo, somando forças e dividindo os desafios, sem com isto perder sua individualidade.
A interdependência, entre o casal nutre o processo de desenvolvimento pessoal de cada um, sendo que ao casar ninguém deveria virar metade que se cola à metade do outro.
Esta individualidade deve ser fortalecida com o casamento, e caminhar lado a lado como dois seres inteiros, deve ser uma opção diária.
Eu sou apologista do casamento.
Eu acredito que é uma coisa maravilhosa uma pessoa poder ter um parceiro para compartilhar a vida
Contraditoriamente, eu penso que casamento não é para todo mundo.
Eu faço uma analogia comparando que casar é igual a tirar carteira de motorista. Qualquer um faz autoescola e tira carteira, mas nem todos vão dirigir bem. Nem todos vão dirigir de uma forma segura. No casamento é a mesma coisa. Todas as pessoas podem casar, mas nem todos vão conduzir o casamento de uma forma adequada, em harmonia e em paz.
Hoje em dia nós vemos que as pessoas casam e separam com mais facilidade.
As pessoas muitas vezes se casam porque não querem acabar um namoro, e então se casam para ver se vai dar certo.
Na verdade, o casamento deveria acontecer porque já deu certo!
A premissa deveria ser: “A relação deu certo. Agora vamos nos casar e evoluir nela.”
A terapia poderia ser muito eficaz se os casais a procurassem preventivamente, ou se houvesse a cultura de se conversar sobre estas questões antes do casamento. Talvez nem precisasse de terapia, mas sim de um momento de conscientização antes da tomada de decisão.
A postura do psicólogo no atendimento a casais
Mais do que ter um conhecimento teórico sobre terapia de casal, mais do que conhecer técnicas, o psicólogo precisa ter consciência do que ele próprio pensa sobre casamento, do que ele conhece sobre isto, do que ele acredita, e como que ele valoriza essa relação.
Ele precisa ter claro quais são os princípios que ele entende que regem a relação a dois, e isso vai além do teórico. Isso é pessoal, e subjetivo, e vai fazer toda diferença na sua postura como terapeuta de casal.
Um terapeuta para atender casal não tem que necessariamente ser casado, ter um casamento feliz, nunca ter se separado, ter uma vida perfeita.
Porém, ele precisa filosofar constantemente sobre as relações amorosas.
Uma relação amorosa, implica, por exemplo, nesse cuidado ao ouvir.
Eu acredito que um terapeuta de casal precisa se treinar na escuta generosa.
Se como terapeuta ele consegue escutar generosamente o casal, ele está exemplificando com a própria postura como eles devem se escutar mutuamente.
O que é escuta generosa?
É quando alguém está falando e a escuta acontece de coração aberto, sem contra argumentação interna. É quando a pessoa não fica pensando no que vai responder, e sim fica aberta para entender a demanda de quem está falando. É não reagir a fala do outro. É depois de confirmar se o que foi compreendido está correto, fazer as perguntas adequadas, que levem ao questionamento interno, e à consequente ampliação na percepção da situação.
Como exemplo, digamos que o terapeuta está atendendo um casal e um dos parceiros está descrevendo o mal entendido que ocorreu entre eles.
O terapeuta deve ouvi-lo generosamente, prestando atenção em cada coisa que ele está dizendo. Quando ele terminar, antes que o outro parceiro retruque, ele deve dizer para essa pessoa:
Olhe, eu entendi isso, isso e isso. Estou certo?
Então baseado nisso que você confirmou que eu entendi, eu te pergunto isso, isso…
Assim é diferente de quando a pessoa escuta, pensa, faz uma interpretação, e faz uma pergunta deixando implícita sua crítica ou sua opinião. Isto pode levar a erros de compreensão e ao fechamento do canal de comunicação.
Outra postura importante para um terapeuta, é ele ter uma curiosidade genuína sobre o que o casal está falando
O que é isso? Ele vai fazer perguntas que esclarecem o que está sendo dito, e não perguntas investigativas, que coloquem a pessoa contra a parede.
Terapeuta não é investigador, e nem deve colocar a pessoa desconfortável e acuada.
Este é um cuidado que o terapeuta precisa ter!
Esta é uma esfera da subjetividade. Não é o papel do terapeuta investigar. O papel dele é ouvir e compreender, e não confrontar.
O terapeuta deve sempre se perguntar: “Qual é o meu intuito ao falar isto? Em que isso ajuda?”
Este é um trabalho importante para o terapeuta fazer consigo. Ele deve aprender a conversar desta forma. Isso não é só para atuar como terapeuta de casal. Ele deve aprender isso para a própria vida!
O trabalho de um terapeuta sobre si mesmo é contínuo, e ele não se faz necessariamente em terapia. O terapeuta tem que focar no seu autodesenvolvimento sempre! Ele deve ir além da psicologia, além do que a psicologia ensina. Ele deve estudar sobre as relações sociais, sobre o que está acontecendo nos relacionamentos, enfim, ler, ouvir e participar de coisas, relacionando-se com outros casais e observando, sempre!
Mitos e verdades sobre a Terapia de Casal
Existem mitos, existem crenças sobre terapia de casal e elas são curiosas e muitas vezes contraditórias.
Uma delas é de que a terapia de casal deve ser buscada porque o terapeuta vai ajudar o casal a salvar o casamento.
Existe também o mito de que quem faz terapia de casal se separa.
Isso não é real. Os casais que buscam ajuda trazem a sua história, e o terapeuta vai ser um mediador. Ele vai criar condições para que a conversa aconteça.
O terapeuta vai ajudar o casal a encontrar seu ponto de equilíbrio, sua clareza, para que cada um deles possa ampliar sua visão sobre a relação, e decidir o que fazer diante dos desafios que os trouxeram à terapia.
É dever do terapeuta colocar uma luz nos elementos de força do casal, para que eles possam resgatar uma percepção que pode estar encoberta pelos conflitos e pela dificuldade de comunicação.
Sobre o ambiente físico da terapia
Além do sofá onde o casal pode se sentar lado a lado, o consultório do terapeuta de casal deve ter dois assentos em que seja possível que o clientes se sentem frente a frente. Esta posição possibilita que eles falem um para o outro em alguns momentos.
O terapeuta deve dirigir a cena terapêutica
Por exemplo:
“Vocês vão sentar frente a frente, vão se olhar nos olhos e vão conversar sobre este fato. O que me disseram, vão dizer um para o outro.”
Como eles muitas vezes têm dificuldade de dizer as coisas mais simples esta tarefa pode ser um desafio.
Seja o que for que eles conversem, é uma conversa diferente do que eles teriam em casa, e é diferente também do que fariam se estivessem sentados lado a lado contando as suas versões dos fatos.
Criar condições para que o casal converse frente a frente, falando um para o outro pode trazer resultados significativos no processo do casal.
Lidando com as diferenças na Terapia de Casal
Talvez há algum tempo, eu percebesse uma diferença significativa entre os papéis masculinos e femininos. Porém, atualmente eu não vejo tanta assimetria. Eu trabalho com muitos casais homoafetivos, e percebo que essa disparidade que ocorre quando um se submete ao outro, às vezes, não se relaciona com ser homem ou ser mulher necessariamente.
Vejo que é mais um padrão relacional, também com influências culturais, que estabelece entre duas pessoas, um poder diferenciado para quem tem um salário melhor, para quem tem uma condição de curso superior, uma idade ou condição física mais favorável, ou outro fator que traga uma percepção de superioridade de um em relação ao outro.
O que se espera é que cada casal encontre uma forma própria de lidar com as suas potencialidades e as suas diferenças
Se um tem mais capacidade para determinadas coisas, ele assume este papel naturalmente, e assim vão se completando nas tarefas e negociando sua forma de funcionar como casal.
Se existe uma percepção de superioridade ou inferioridade em algum aspecto, que a percepção de algo que compense esta diferença seja reconhecida no outro.
O importante é que haja o equilíbrio entre o dar e o receber
Este fator é muito importante para o “bem-estar” da relação. O terapeuta pode e deve ajudar o casal a encontrar este ponto de equilíbrio.
Quando questões de violência e abuso surgem na Terapia de Casal
Sem dúvida alguma, existe para todo lado, a violência, o abuso, a supremacia do machismo, que tem feito tantos estragos físicos e emocionais em muitas mulheres.
Diante de casos onde seja percebida estas condições, o terapeuta deve sugerir o trabalho individual concomitante ao trabalho com o casal, e em casos mais extremos tomar as providências cabíveis, de acordo com a lei e o código de ética do psicólogo.
A importância de utilização de recursos e técnicas no atendimento a casais
As técnicas terapêuticas muito usadas na terapia sistêmica são muito importantes na terapia de casal porque elas, bem escolhidas e colocadas de uma forma adequada, introduzem certa leveza e até ludicidade para tratar de temas que são muito pesados.
O casal quando procura terapia, está em sofrimento e o sentimento do outro sempre tem que ser legitimado
Todos que estão ali estão sofrendo, e o terapeuta não pode correr o risco de banalizar a queixa e as dificuldades que um casal traz.
As técnicas podem enriquecer o processo terapêutico, mas elas não podem substituir as intervenções terapêuticas. Não se pode abolir a conversação direta sobre os problemas.
Porém as técnicas ilustram, enriquecem, suavizam, e também fazem com que o casal continue a trabalhar a relação, quando são indicadas como tarefas no intervalo das sessões.
Na Terapia de Casal, a frequência ideal dos encontros é quinzenal
Isto para dar tempo daquilo que foi trabalhado em uma sessão ser digerido faça efeito na relação do casal.
Enquanto isto o terapeuta planeja o que ele vai trabalhar da próxima vez, quais técnicas e recursos podem ser usados, e quais as atividades podem ser propostas como “para casa”.
Quando a terapia de casal não é indicada
Nem sempre a terapia de casal é indicada, mesmo quando o próprio casal procura ajuda.
Existem alguns critérios subjetivos, mas também existem algumas questões que são relevantes genericamente.
Um exemplo é quando em um casal, um dos parceiros tem alguma questão psiquiátrica. Neste caso a aliança terapêutica pode ser difícil de ser estabelecida. A paranoia é muito comum nestes casos, e a terapia pode não surtir efeito.
Outro exemplo é quando o casal tem tantas diferenças de interesses, que os laços já foram desfeitos. É muito comum nestes casos um dos parceiros, ou os dois não tenham realmente interesse em trabalhar a relação.
Estes casos são muito desgastantes, tanto para os clientes quanto para o terapeuta.
Tive um paciente por exemplo, que não atendia à nenhuma sugestão, não aceitava nenhuma proposta, e não colaborava com nada na terapia. Se eu sugeria que ele se sentasse frente a frente com a parceira para conversar, ele simplesmente não fazia. Não vamos ficar travando uma “queda de braço” com o cliente, e nestes casos, não vamos insistir.
Uma condição essencial em qualquer psicoterapia de adultos, é que a pessoa queira e colabore para que o processo ocorra.
Os segredos na Terapia de Casal
Outro desafio importante para o terapeuta de casal é a questão dos segredos que cada um pode trazer.
Atendi um casal que o marido era infértil, e a esposa não sabia. Eles tentavam engravidar, e logicamente não conseguiam. Em uma sessão individual, o marido partilhou este segredo comigo. Logicamente, a terapia não iria caminhar se não trabalhássemos esta questão da infertilidade, que era o principal problema do casal. Tive que trabalhar com cada um individualmente, até que o marido estivesse pronto para compartilhar este “segredo” com a esposa, e ela estivesse em condições de receber este fato. Só aí tive como seguir com a terapia focada no crescimento e fortalecimento do casal em um contexto de verdade e superação.
Tem outras situações em que o “segredo” não precisa ser revelado, pois não será produtivo para o relacionamento do casal, ou não interessa ao contexto terapêutico.
Como exemplo posso citar os casos de infidelidade não revelada, e os casos de vivências particulares que a pessoa não deseja partilhar com o parceiro. Posso citar como exemplo o caso de uma mulher que tinha sido abusada na infância, e que não queria que o marido soubesse. Esta é uma opção dela que temos que respeitar.
Muitas vezes é bastante recomendável o atendimento individual dos parceiros, que é um espaço adequado para se trabalhar estas questões.
Neste espaço, a terapia pode ajudá-los a lidar com as questões individuais, o que certamente beneficiará o processo do casal.
Atender casais é fascinante!
Para finalizar, deixo meu depoimento sobre esta vertente do atendimento psicológico, dizendo que este caminho é tão desafiador quanto fascinante, pois nos permite conhecer profundamente o tipo de relação afetiva que é buscado pela grande maioria das pessoas deste mundo, que é o relacionamento de casal, seja homo ou heteroafetivo.
Atender casais é principalmente gratificante por nos permitir intervir e ajudar pessoas em momentos de grande fragilidade, facilitar a comunicação, restabelecer o equilíbrio, ampliar a percepção das situações, e muitas vezes restaurar a relação em um outro patamar mais saudável e feliz.
*Não é autorizado a reprodução deste material.
1 Comment
Excelente artigo! Uma visão generosa, amorosa e muito sensível sobre a peculiaridade humana e a complexidade da vida dentro de um relacionamento!