O seu tamanho é ainda imensurável, mas já se pode ter uma ideia. No Dia Nacional da Conciliação, promovido pelo CNJ e diversos tribunais em todo o país e comandado pelos conselheiros Germana de Moraes e Eduardo Lorenzoni, foram realizadas quase 84.000 audiências de conciliação, com um índice de sucesso na obtenção de acordo de 55%.
Isso num só dia. Esse índice é compatível com experiências judiciais em curso, como a das juntas de conciliação em direito de família do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que, entre 2002 e 2004, conseguiram fazer surgir um acordo em mais de 62% das audiências.
Por mais que se invista, a justiça tradicional nunca será capaz de atender à demanda social. Formas alternativas de resolução de conflitos vão ser mais e mais usadas, nas portas do Judiciário e até dentro dele. Mais conciliação e menos adjudicação é a fórmula do futuro. Conciliação e mediação não mais se restringirão às pequenas causas e deixarão de ser atividades tipicamente pro bono ou beneficentes. Ou as partes pagarão os mediadores, ou os governos, ou então os próprios tribunais. É prestação de serviços remunerada. Um real mercado de trabalho profissional começa a se construir, seja mais ou menos formalizado, seja mais ou menos controlado pelos órgãos do Judiciário.
A estratégia de alguns líderes dos advogados para conquistar o novo mercado é a mesma de sempre: reserva legal de mercado. Isto é, tentar convencer legisladores e Judiciário de que o monopólio para atuar junto à justiça e para resolver conflitos é constitucionalmente seu. Algumas das lideranças dentro e fora da OAB ainda se aferram à ideia de que “parte em juízo, sem representação do advogado, é parte sem defesa”. Essa tese não tem sido vencedora. O Supremo já discutiu o tema à exaustão e decidiu que “não é absoluta a assistência do profissional de advocacia em juízo, podendo a lei prever situações em que é prescindível a presença do advogado”. Exemplos não faltam: não se precisa de advogado em certas hipóteses nos juizados especiais e na Justiça do Trabalho, nem para impetrar habeas corpus.
Pesquisas mostram que, para juízes e promotores, os advogados são os principais responsáveis pelo uso abusivo de recursos e pela consequente lentidão judicial. O recentíssimo estudo sobre juizados especiais, coordenado por Maria Tereza Sadek para a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), é ainda mais contundente. Afirma: “É possível sustentar que a probabilidade de realização de acordos diminui quando o reclamante vai à audiência com o advogado”.
Dessa maneira, a primeira batalha que psicólogos terão de enfrentar será realizada na arena da legislação: evitar projetos de lei que legalizem a pretensão de reserva de mercado de alguns setores da OAB. Os conselhos regionais de psicologia, reunidos em recente evento aqui em Brasília, estão se mobilizando. Um dos desmembramentos dessa arena são as normas internas dos tribunais, que, donos dos recursos financeiros, poderão ou não favorecer os advogados na organização da prestação conciliatória.
Dois outros desafios se colocam para as psicólogas. O primeiro, mais difícil, é o de conciliar o olhar interno ao indivíduo em si mesmo, que caracteriza seu desempenho profissional, com um complementar olhar externo sobre o acordo que se propõe a ajudar a formular.
Aliás, igual desafio – modernizar as habilidades profissionais – também se impõe aos advogados. As faculdades de direito, por exemplo, terão que ensinar não apenas direito processual, mas negociação, conciliação, mediação. Como o advogado Francisco Müssnich, do Rio de Janeiro, costuma dizer aos seus clientes, “mais vale um acordo horroroso do que um horror sem fim”.
O segundo desafio é mais pragmático. Ainda que a conciliação feita sob a supervisão e poder dos juízes seja opção segura, não é necessário que toda e qualquer tentativa de conciliação e mediação se processe dentro do âmbito judiciário. Centros, grupos e especialistas em conciliação e mediação podem surgir e já surgem na sociedade, de múltiplas e inovadoras maneiras.
Não só vinculados a comunidades ou a associações de classes, para as quais a conciliação tem menos formalismo do que a arbitragem, mas até mesmo vinculados a práticas religiosas, como já ocorre no Brasil com o direito talmúdico, da comunidade judaica. Não será surpresa, pois, se, no futuro próximo, centros de conciliação de direito de família – que não se confundem com terapia de casal ou de família – venham a concorrer com escritórios de advocacia.
Essa concorrência profissional é saudável para as partes, para os profissionais e para o próprio Judiciário. Seus custos serão reduzidos. O estresse dos juízes causado pela carga de trabalho também. A eficiência da administração da justiça será maior. A “sentença” virá mais rápida. A hora é de inovar, inovar e inovar
1 Comment
_A implementação de meios alternativos que viabilizem a conciliação e a realização de acordos possíveis entre as partes envolvidas, desafogariam o judiciário dos excessos recursivos e, viabilizariam por sua vez, a celeridade processual de forma multifocal. Ou seja, abrangendo a todos os casos com a mesma emergência resolutiva…