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Armadilhas da obesidade

Mecanismos cerebrais que regulam o prazer da alimentação, a fome e a sensação da saciedade são muito semelhantes aos que influem na dependência de drogas como álcool e cocaína.

Muita gente acredita que informação e força de vontade são suficientes para se livrar dos quilos a mais. Falar é fácil. Difícil é vencer as tentações, todos dias e em toda parte. Embora estejamos cansados de saber dos malefícios do excesso de gordura e de açúcar e dos riscos da obesidade, para um número cada vez maior de pessoas é impossível resistir e controlar os apelos do estômago. Às vexes, a vontade de comer é mais forte que a melhor das intenções, as recomendações médicas e os ideais de beleza. Em nome de pequenos prazeres efêmeros, colocamos os bons propósitos, a auto-estima e até a saúde.

Porém, não basta atribuir à vontade do indivíduo todo o ônus de manter uma alimentação saudável. Hábitos alimentares são resultado de forças orgânicas e psíquicas que estão, em grande parte, fora do alcance de nossas decisões conscientes.

Qualquer pessoa que já fez dieta sabe disso. Hoje a obesidade é um dos grandes problemas de saúde pública mundial; o acúmulo de gordura corporal é o principal fator de risco para doenças cardiovasculares e diabetes. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), só na Europa morrem todos os anos cerca de 250 mil pessoas em decorrência dos maus hábitos alimentares. No Brasil, 27 milhões de pessoas estão acima do peso e quase sete milhões são obesos.

A identificação da leptina, um peptídeo secretado pelas células adiposas e que desempenha um papel-chave na regulação do apetite e do metabolismo energético, foi um dos grandes marcos na pesquisa da obesidade. Descoberta em 1994 pelo biólogo Jeffrey M. Fridman, da Universidade Rockefeller, a leptina interage com receptores situados no núcleo ventral medial – região do hipotálamo conhecida como centro da saciedade -, sinalizando quando já se comeu o suficiente. Em condições ideais, o aumento dos depósitos de gordura produz sinais que inibem a ingestão de alimentos. Nos obesos, porém, há uma disfunção nessa retroalimentação mediada pela leptina.

O que acontece na obesidade é o mesmo mecanismo do diabetes tipo II, em que níveis elevados de glicose estimulam a secreção excessiva de insulina, de forma que os receptores dessa ficam dessensibilizados – por essa razão esse tipo de diabetes é chamado resistente à insulina. De forma similar, o excesso de gordura faz com que níveis de leptina se tornem muito altos, e os receptores no hipotalâmicos deixam de responder. O resultado é a sensação de insatisfação e a vontade de comer mais.

Apontar a leptina como único fator responsável pelos quilos a mais, entretanto, é um equívoco: inúmeros determinantes físicos e psíquicos contribuem para esse quadro considerado, na maior parte das vezes, não um transtorno em si, mas um sintoma.

Há muito tempo os cientistas já perceberam aspectos comuns entre o comportamento alimentar compulsivo e a dependência química. Um deles é o craving, descrito como um desejo intenso de ingerir algo muito específico, que pode ser chocolate, pizza, cerveja ou cocaína. Outro exemplo é

o evidente aumento da ingestão de alimentos, quase sempre acompanhado de ganho de peso, experimentado por qualquer pessoa que pára de fumar.

Escondida nas profundezas do cérebro reside uma estrutura que nos ajuda a compreender o papel da compulsão alimentar na obesidade. Também conhecido como centro do prazer, o núcleo accumbens é um conjunto de neurônios comprovadamente envolvidos nos mecanismos de dependência. Importante na regulação da emoção e da motivação, ele é um local de convergência de fibras procedentes da amígdala, do hipocampo e dos lobos temporais, e emite projeções para regiões como córtex cingulado, lobos frontais e hipotálamo. Todas as substâncias que levam à dependência promovem a liberação de grandes quantidades do neurotransmissor dopamina nessa região, o que na prática se traduz como uma sensação de enorme prazer. A cocaína e a anfetamina, por exemplo, aumentam em até 15 vezes concentração de dopamina no núcleo accumbens e algo semelhante acontece com a morfina e a heroína. Mas o que isso tem a ver com a obesidade?

Uma das projeções do núcleo accumbens exerce comando direto sobre o hipotálamo, que regula, entre tantas coisas, o comportamento alimentar. Animais de laboratório modificados geneticamente para não produzir dopamina dão mostras inequívocas dessa estreita relação: perdem a motivação, deixam de comer e acabam morrendo de inanição. À medida que seu cérebro recebe doses periódicas do neurotransmissor, voltam a se alimentar normalmente. Em 2001, a psiquiatra Nora Volkow, hoje diretora do Instituto Nacional contra o Abuso de Drogas, em Bethesda, observou, por meio de tomografia de emissão de pósitrons (PETscan), uma correlação negativa entre índice de massa corporal (IMC) e concentração de receptores de dopamina no núcleo accumbens. Em outras palavras, quanto mais gordo o indivíduo menor a disponibilidade dos receptores dopaminérgicos. Os resultados sugerem que a compulsão alimentar seria uma forma de compensar a ausência de efeito do neurotransmissor. Teoricamente, a ingestão de comida deveria liberar mais dopamina, mas como aqueles receptores, por algum motivo desconhecido, estão escassos, a solução é comer mais ainda, dando origem a um círculo vicioso que também é a principal característica do abuso de drogas.

Além do núcleo accumbens, a amígdala é outra estrutura essencial para a compreensão da compulsão alimentar. Já na década de 30, o neurocientista alemão Heinrich Klüver e seu colega americano Paul Bucy lesionaram a amígdala de macacos e assim os transformaram em verdadeiras máquinas devoradoras: levavam à boca tudo o que fosse comestível, e muitas vezes também o que não era.

Responsável pelas reações de medo, a amígdala é uma estrutura muito antiga do ponto de vista evolutivo e de importância central para o sistema límbico. Seu papel sobre o comportamento alimentar em humanos foi demonstrado em 2001 por Kevin LaBar, do Centro de Neurociência Cognitiva da Universidade Duke. O pesquisador apresentou objetos comestíveis e não-comestíveis a nove indivíduos cuja atividade cerebral foi monitorada por meio de tomografia helicoidal.

Fonte: Revista Mente e Cérebro

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1 Comment

  1. ELIZABETH SILVEIRA CASTRO BAPTISTA DE SOUZA disse:

    Esta matéria pode ajudar tanto a pessoas com sobrepeso como aos que com ela convivem, aos que delas cuidam, a terapeutas e profissionais da saúde que queiram relamente se mobilizar nesse aspecto. Excelente.