No último dia 14, em Goiânia, o vigilante Tiago Henrique Gomes da Rocha confessou ter matado 39 pessoas desde 2011. Os crimes ainda estão sendo confirmados pela polícia. As vítimas foram principalmente mulheres, homens homossexuais e moradores de rua. Apesar de haver controvérsia entre especialistas, Tiago tem sido tratado pela imprensa e pelo público como um suposto serial killer. Em entrevista à BBC, o criminologista Scott Bonn, pesquisador da Universidade Drew, em Nova Jersey, afirmou que, caso os assassinatos sejam confirmados, o brasileiro pode ser considerado um dos serial killersmais letais da história moderna.
Bonn é autor do livro Why we love serial killers (sem tradução em português), com lançamento previsto para novembro. Na obra, ele apresenta e analisa cinco mitos frequentemente associados aos assassinos em série. Leia um trecho a seguir.
Extraído de Why we love serial killers: the curious appeal of the world’s most savage murderers, by Scott Bonn. Skyhorse Publishing. Copyright © 2014. Publicado no site daScientific American com autorização da editora e do autor.
Muito do que o público em geral conhece sobre homicídios em série é produto de representações sensacionalistas e estereotipadas divulgadas nos noticiários e na mídia de entretenimento – histórias escritas para despertar o interesse da audiência, não para pintar um retrato preciso de um assassinato em série.
Ao concentrar-se na imagem midiática socialmente construída de “monstruosas celebridades”, o público é cativado pela apresentação estilizada dos criminosos e deixa de atentar para a dimensão de seus crimes. Os estereótipos e as hipérboles da mídia criam mitos e grandes distorções na consciência do público no que concerne aos verdadeiros padrões e dinâmicas dos assassinatos em série nos Estados Unidos.
A realidade dos homicídios em série nos Estados Unidos
Assassinatos em série não somam mais de 1% de todos os assassinatos cometidos no país. De acordo com estatísticas recentes do FBI, são aproximadamente 150 mil homicídios por ano, o que significa que não há mais de 150 vítimas de crimes em série no período1.
O FBI estima que o número de serial killers atuando no país varia entre 25 e 50. Se há 50 deles, cada um é responsável por uma média de três mortes por ano.
Serial killers estão sempre presentes na sociedade. As estatísticas, porém, revelam que homicídios em série são bastante raros e representam uma pequena porção de todos os assassinatos cometidos nos Estados Unidos.
A persistência de informações falsas e os estereótipos e hipérboles apresentados pela mídia se combinam à relativa raridade de ocorrências e acabam por promover uma série de mitos populares sobre assassinatos em série. Os mitos mais comuns sobre serial killers englobam fatores como raça, gênero, inteligência, condições de vida e características das vítimas.
Mito no 1: são quase sempre homens
Realidade: Isso não é verdadeiro, mas é compreensível que o público se prenda a essa convicção. Ainda em 1998, um conceituado ex-agente do FBI que traçava perfis comportamentais de criminosos afirmou que “não existem serial killers do sexo feminino”. A mídia também perpetua o estereótipo de que todos os criminosos em série são do sexo masculino e que as mulheres não se envolvem em atos extremos de violência.
Quando a letalidade de uma femme fatale é apresentada em um livro ou filme, ela é frequentemente retratada como a vítima manipulada por um “macho dominante”, uma figura influente do sexo masculino. Essa imagem é consistente com os tradicionais mitos relacionados ao gênero em uma sociedade que alega que meninos são agressivos por natureza, enquanto meninas são passivas. Na realidade, tanto agressividade quanto passividade podem ser aprendidas através da socialização, pois não são específicas de cada gênero.
A realidade quanto ao gênero de serial killers é bem diferente da mitologia que envolve o tema. Embora tenha existido um número maior de homens entre os assassinos em série do que de mulheres, a presença de serial killers do sexo feminino é bem documentada nos dados criminais. De fato, aproximadamente 17% de todos os homicídios em série nos Estados Unidos foram cometidos por mulheres2. Curiosamente, apenas 10% do total de assassinatos no país são cometidos por mulheres. Portanto, em relação aos homens, mulheres são responsáveis por uma porcentagem maior de assassinatos em série do que de casos de homicídios em geral. Esse é um fato importante e revelador que desafia o entendimento popular sobre esse tipo de crime.
Fonte: Mente e Cérebro
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Mito no 2: são caucasianos
Realidade: Ao contrário da mitologia popular, nem todos os serial killers são brancos. Esse tipo de crime abrange todos os grupos raciais e étnicos nos Estados Unidos, e a diversidade racial dos criminosos em geral reflete a da população americana em geral. Há casos bem documentados de serial killers afro-americanos, latinos e americanos de descendência asiática. Os afro-americanos constituem a maior minoria racial entre os assassinos em série e representam cerca de 20% do total. Significativamente, no entanto, só serial killers brancos, e normalmente do sexo masculino, como Ted Bundy, tornam-se ícones da cultura popular.
Embora eles não sejam nomes conhecidos como os seus equivalentes brancos, há exemplos de prolíficos serial killers pertencentes a minorias raciais, como Coral Eugene Watts, um homem negro de Michigan, conhecido como “Sunday Morning Slasher” (“esfaqueador das manhãs de domingo”, em tradução livre), que matou pelo menos 17 mulheres em Michigan e no Texas; Anthony Edward Sowell, um homem negro conhecido como “estrangulador de Cleveland” que sequestrou, estuprou e matou 11 mulheres em Ohio; e Rafael Resendez-Ramirez, de nacionalidade mexicana, conhecido como “assassino da ferrovia”, que matou mais de 15 homens e mulheres em Kentucky, Texas e Illinois.
Mito no 3: são solitários disfuncionais e isolados
Realidade: A maior parte não é socialmente desajustada nem vive só, apesar de serem representados assim pela mídia de entretenimento, como no caso do serial killer “fada dos dentes”, no filme Dragão vermelho (Red dragon, 1986). Serial killers na vida real não são monstros isolados. Frequentemente, não aparentam ser estranhos nem se destacam do público de maneira significativa.
Muitos serial killers são capazes de se esconder à vista de todos por longos períodos de tempo. Aqueles que se misturam com sucesso em geral têm emprego, família e residência fixa e exteriormente demonstram ser membros normais da sociedade. Uma vez que podem parecer inócuos, serial killers muitas vezes passam despercebidos por agentes da lei, assim como pelas próprias famílias e colegas.
Em alguns casos raros, serial killers não identificados chegam a socializar e ser amigáveis com detetives da polícia que estão atrás deles. A incrível história de Ed Kemper, o “Co-ed Killer”, é um exemplo desse fenômeno (co-ed, derivada de coeducacional, era uma expressão utilizada para se referir a universitárias que frequentavam universidades que aceitavam ambos os gêneros, o que era incomum até a década de 60).
Serial killers que se escondem à vista de todos são capazes de fazê-lo exatamente porque aparentam ser como qualquer outra pessoa. É sua habilidade de se misturar aos outros que os torna perigosos, assustadores e, ainda assim, atraentes para o público em geral.
Mito no 4: costumam viajar e matar em diferentes estados
Realidade: O maníaco homicida itinerante, como Fred Krueger de A hora do pesadelo (Nightmare on Elm street, 1984),é mais um estereótipo da mídia que raramente é encontrado na vida real. Entre os serial killers mais conhecidos, Ted Bundy é uma das raras exceções que viajava e fazia vítimas em diferentes estados. Bundy escapou duas vezes da custódia da polícia e cometeu pelo menos 30 homicídios nos estados de Washington, Utah, Flórida, Colorado, Oregon, Idaho e Califórnia. Articulado, educado, bem-arrumado e charmoso, Bundy foi verdadeiramente atípico entre os assassinos em série em seus ataques furiosos em todo o país.
Ao contrário de Bundy, a maior parte dos serial killers tem áreas geográficas de atuação definidas. Em geral têm uma zona de conforto, uma região que conhecem muito bem, para perseguir e matar suas vítimas. Jack, o Estripador, é um exemplo clássico, uma vez que matava exclusivamente no pequeno distrito de Whitechapel, em Londres, no outono de 1888.
A zona de conforto de um serial killer é frequentemente definida por um ponto de ancoragem, como um lugar de residência ou de emprego. Estatísticas criminais revelam que assassinos em série são mais propensos a cometer seu primeiro homicídio em um local bem próximo de onde moram, graças ao conforto e familiaridade que ele oferece. John Wayne Gacy, “o palhaço assassino”, enterrou a maior parte de suas 33 vítimas, jovens do sexo masculino, em um apertado espaço debaixo de sua casa, depois de abusar deles sexualmente e matá-los.
Serial killers por vezes escolhem uma área que frequentaram muito no passado, como a comunidade em que cresceram. Ao longo do tempo, eles podem estender suas atividades para além das zonas de conforto, mas só depois de terem consolidado sua confiança, executando diversos assassinatos com sucesso e evitando as autoridades.
Os dados criminais revelam que pouquíssimos criminosos em série viajam para diferentes estados para matar, como mostra um relatório do FBI de 2005 sobre assassinato em série3. Os poucos que chegam a fazê-lo em geral se encaixam em uma das três categorias: 1) indivíduos itinerantes que se deslocam periodicamente de um lugar a outro; 2) indivíduos cronicamente desabrigados que vivem em transição; ou 3) indivíduos cuja função no trabalho os leva a viajar a diferentes estados ou países, como motoristas de caminhão ou membros do serviço militar.
A principal diferença entre esses criminosos e outros serial killers é a natureza de seu estilo de vida propenso a viagens, que fornece a eles um grande número de zonas de conforto para agir. A maior parte dos assassinos em série não tem as mesmas oportunidades para viajar, por isso mantém sua atuação próxima de onde vivem.
Mito no 5: têm doenças mentais ou são “gênios do mal”
Realidade: As imagens apresentadas nos noticiários e na indústria do entretenimento sugerem que serial killers são pessoas com doenças mentais debilitantes, como psicoses, ou são gênios brilhantes, mas dementes, como o doutor Hannibal Lecter. Nenhum dos dois estereótipos é muito preciso. Na realidade, é muito mais provável que serial killers apresentem algum distúrbio de personalidade antissocial, como a sociopatia e a psicopatia, que não são consideradas doenças mentais pela Associação Americana de Psicopatia (em inglês, APA). Uma análise da psicopatia e da sociopatia e uma discussão sobre a poderosa conexão entre transtornos de personalidade antissocial e homicídio em série são apresentadas no capítulo 4.
De fato, poucos serial killers sofrem de doenças mentais em uma extensão debilitante suficiente para serem considerados loucos pelo sistema de justiça criminal. Para ser classificado como legalmente insano, um indivíduo precisa ser incapaz de compreender que uma ação é contra a lei no momento em que ela é realizada. Em outras palavras, um serial killer precisaria não ter consciência de que assassinato é legalmente condenável no momento do ataque para ser considerado legalmente insano. A categorização legal de insanidade é tão rigorosa que pouquíssimos serial killers são incluídos nela.
Serial killers psicopatas, como John Wayne Gacy e Dennis Rader, têm plena consciência da ilegalidade do assassinato enquanto matam suas vítimas. Seu entendimento do certo e errado, no entanto, não os impede de cometer seus crimes, uma vez que psicopatas como Gacy e Rader possuem desejo e compulsão de matar de tal forma irresistíveis que os levam a ignorar a legislação.
Quando são detidos, serial killers raramente são considerados mentalmente incapazes e seus advogados quase nunca conseguem alegar insanidade para evitar um julgamento. Novamente, isso se deve à definição legal extremamente restrita de insanidade, que não se aplica à maior parte dos assassinos psicopatas. Mesmo David Berkowitz, o infame Son of Sam, que contava aos seus captores histórias de rituais satânicos e possessão demoníaca, foi considerado capaz de ser julgado por seus crimes depois de sua prisão em 1977.
Há também uma considerável mitologia sobre a inteligência dos serial killers. Existe um estereótipo que permeia a cultura popular de que assassinos em série são astutos gênios criminosos. Essa representação foi fortemente promovida pela mídia na televisão, nos livros e filmes. Hollywood, em particular, criou uma série de brilhantes maníacos homicidas, como John Doe no aclamado filme Se7ven, de 1995. John Doe personifica o estereótipo do gênio do mal que engana as autoridades com sua inteligência, evita a Justiça e tem sucesso em seu plano diabólico.
Essa imagem é, em grande parte, uma invenção de Hollywood. Assassinos em série da vida real geralmente não possuem habilidades intelectuais excepcionais. A realidade é que a maioria dos serial killers que passaram por um teste de QI teve pontuações entre borderline (bem abaixo da média) e inteligência acima da média. Esse resultado é bastante compatível com a população geral. Contrariando os mitos, não é a grande inteligência que faz com que serial killers sejam bem-sucedidos. Em vez disso, é a mistura de obsessão, planejamento meticuloso e, por vezes, personalidade psicopata de sangue-frio que permite que serial killersatuem por longos períodos de tempo sem serem detectados.