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O drama de Peter Pan

As dificuldades da vida adulta levam muitos jovens a batalhar contra a ideia de crescer

Não se chega à consciência sem pelo menos um pouco de dor. Os verdadeiros adolescentes, à medida que crescem e amadurecem, aprendem e internalizam esse fato, que faz parte de um movimento em direção à vida adulta. Os adolescentes “artificiais”, que batalham contra a inevitabilidade dos ciclos, tremem diante dessa ideia, procuram negá-la, fogem dela, abjuram a maturidade, a consciência, o sentido existencial. Carl Jung chamava de “renascido psiquicamente” quem amadurece nesse processo e esbarra na individuação. Escrevo “esbarra” porque Jung sustentava que dificilmente se alcança a individuação no prazo de uma vida, ainda que somente o fato de se empenhar nessa tarefa já dê sentido à existência.

Se a vida inteira não for suficiente para a individuação, mais patética acabará sendo a obsessão por deter os ciclos da existência ou se estacionar em um deles. Essa atitude acabará alcançando as características de uma síndrome. Quando o ciclo no qual uma pessoa permanece estagnada é a infância, fala-se em síndrome de Peter Pan, em alusão ao personagem do escritor escocês James Matthew Barrie, criado em 1904 para uma comédia musical. Peter Pan era uma criança que se negava a crescer e que vivia com outros iguais a ele na Terra do Nunca.

Se a estagnação evolutiva se dá na adolescência, o que se define é a síndrome do púbere eterno, arquétipo de quem resiste a abandonar uma adolescência perene por temor de cortar o cordão umbilical – emocional e invisível – que o mantém ancorado à figura materna. O púbere é o eterno adolescente varão, seu equivalente feminino é a púbere, a ninfa perpétua ligada para sempre a uma imagem idealizada do pai. Esses arquétipos e seus significados foram estudados em profundidade, especialmente o masculino, por Jung e, depois, por sua discípula Marie- Louise von Franz.

Quando essas atitudes se multiplicam e se convertem em fenômenos sociais, já não são mais somente patéticas, mas perigosas. Uma sociedade em que a infância e especialmente a adolescência deixam de ser períodos de passagem para se converterem em faixas etárias de aglomeração e engarrafamento, devido à recusa e ao abandono daqueles que as ultrapassaram para continuar seu desenvolvimento existencial, é uma sociedade que padece de ausência funcional de adultos, de carência de referências maduras e de saturação de comportamentos adolescentes. Converte-se em um vasto grupo humano sem líderes sábios, em uma massa de indivíduos que não transformam suas vivências em experiência, que carecem de projetos e de visão transcendente e não têm ninguém que os engendre. É uma sociedade de rumo imprevisível, de condutas inconstantes, de pronunciamentos confusos, quando não voluntariosos.

Uma sociedade de púberes e Peter Pans vive à margem do mundo real, e seus contatos com ele – visto que a realidade é tão paciente quanto incorruptível – provocam-lhe desencanto, frustração insuportável, chiliques inúteis e nenhum aprendizado. Quando se corta a cadeia dos ciclos evolutivos, o que resta é girar no vácuo, sem rumo nem propósito.

Esta é a sociedade em que vivemos hoje. Uma coletividade anêmica de vida adulta, em que a maioria dos indivíduos parece ter pactuado entre si para manter uma resistência amarga, disfuncional e custosa contra a evolução, a maturidade e a conversão de seu potencial em ação. Uma sociedade empenhada em permanecer adolescente vive no imediatismo, na fugacidade, nas rebeliões arbitrárias que a nada conduzem, na confrontação com as regras – com qualquer regra, pelo simples fato de existirem –, no risco absurdo e inconsciente, na fuga das responsabilidades, na ilusão de ideais tão imprevistos como insustentáveis, na absurda luta contra as leis da realidade que obstruem seus desejos volúveis e ilusórios, na rejeição ao compromisso e ao esforço fecundo, na busca do prazer imediato, ainda que se tenha de chegar a ele por meio de atalhos, na confusão intelectual, na criação e adoração de ídolos vaidosos colocados sobre pedestais sem alicerces.

Este não é um fenômeno natural ou inexplicável. É um processo social e possui, além de causas e origens, consequências palpáveis que se podem constatar em diversos hábitos da vida cotidiana individual e coletiva. Não é um fenômeno passageiro – é grave e necessita ser estudado. É crucial trazê-lo ao plano da consciência e, sobretudo, revertê-lo.

A adolescência é uma etapa fecunda da vida, feita de descobertas, desconcertos, florescimentos e dores, que se torna maravilhosa quando encontra fundamento nas etapas seguintes. Quem empenha seus dias em cantar odes à eterna juventude nunca chega a ser adulto e carece de futuro e de sentido.

Fonte: Mente e Cérebro

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